Problema Solucionado
O Núcleo AlterNativas foi criado para apoiar o desenvolvimento da base material e organizacional de empreendimentos da economia solidária (EES). Em sua trajetória percebeu a insuficiência da metodologia convencional de incubação e criou uma abordagem própria, denominada “Incubação ao Inverso”. A incubação tradicional é uma assessoria técnica que apoia os EES por meio de projetos específicos, dentre os quais predominam ações de formação dos cooperados, cujas capacidades de organização e gestão são sempre consideradas deficitárias. Essa forma de incubação reforça o princípio de intervenção como ação externa sobre organizações supostamente imaturas e é pouco eficaz para promover transformações efetivas. No entanto, os EES já criam soluções bastante eficazes, se consideradas as condições em que surgem, sem acesso a recursos financeiros e tecnológicos. Essas soluções técnicas, todavia, permanecem provisórias, sem desenvolver todo seu potencial. Partindo do reconhecimento da engenhosidade cotidiana dos cooperados, a tecnologia social de Incubação ao Inverso, coloca como ponto inicial a aprendizagem dos técnicos, que devem se educar antes de propor qualquer ação de mudança.
Descrição
A tecnologia social de Incubação ao Inverso é uma metodologia de intervenção técnica elaborada e implementada pelos pesquisadores do Núcleo AlterNativas de Produção (NAP), da Escola de Engenharia da UFMG. A Incubação ao Inverso foi desenvolvida ao longo de 15 anos, com projetos com empreendimentos da economia solidária (EES), em especial com associações e cooperativas de catadores (ACCs), que nos levou de uma visão convencional de incubação a uma concepção que inverte as relações ou, mais exatamente, instaura um processo de aprendizagem recíproca, no qual os especialistas e técnicos são também incubados.
O termo “incubação”, compreendido de forma literal, sugere um ambiente protegido para favorecer o desenvolvimento de uma organização ainda jovem, ou, se este já tem uma história, ainda se encontraria em estágio imaturo ou não seria dotada de dinâmica interna de desenvolvimento autônomo. Essa proteção se materializa em um ambiente acolhedor, relativamente separado das pressões e vicissitudes do mundo real, externo, sob a tutela de provedores de insumos, materiais e imateriais, que favoreçam o desenvolvimento ou amadurecimento do empreendimento, em especial conhecimentos especializados que faltariam aos incubados. A inadequação dessa concepção tradicional de incubação sempre produziu um certo incômodo em quem estava acostumado a reconhecer a autonomia criativa dos atores sociais, mas a realidade difícil dos EES, que sugere senão uma estagnação uma grande morosidade no desenvolvimento, parece justificar o ambiente de proteção e as práticas correlacionadas.
Assim, os projetos de incubação foram adotando, de forma progressiva, uma estratégia de longo prazo, acompanhada de uma imersão aprofunda dos técnicos em galpões de triagem das associações de catadores. Nesse processo, uma questão sempre se colocava era a ausência de recursos disponíveis para intervir, sempre que os projetos se interrompiam. Aprendemos, então, com os catadores a produzir riqueza com resíduos, atividade na qual eles são mestres. Em outras palavras, como pode o técnico projetar soluções que considerem os resíduos como recursos? Uma das intervenções no silo de triagem ilustra bem aa abordagem, sua etapas e forma de envolvimento dos técnicos e dos catadores.
Como forma de responder a essa pergunta e a uma demanda de intervenção colocada por um grupo de catadores, foi proposto um teste pelos pesquisadores. O princípio balizador seria o de promover uma mudança no processo produtivo da cooperativa sem comprometer nenhuma das cooperadas com atividades adicionais. Ou seja, mudar as condições de triagem e promover uma situação de trabalho temporária que não alteraria as tarefas cotidianas das triadoras.
Essa proposta se efetivaria, assim, a partir da inclusão de pesquisadores intervencionistas em tarefas até então inexistentes. A promoção dessa nova situação de trabalho buscava, por meio de análise comparativa com a situação cotidiana anterior, coletar as percepções das triadoras e da coordenação sobre os princípios necessários para a concepção de bons indicadores para reprojetar o processo de triagem.
Essa intervenção experimental resultou em um princípio acordado entre catadores e técnicos: o de reposicionar a atividade de descarregamento do caminhão que chega com os materiais recicláveis. O processo orientado por esse princípio foi experimentado pelos catadores e, passados 3 meses, atingiu sua atual configuração estabilizada. Essa mudança foi possível a partir da criação de novos postos de trabalho e de novo espaço de triagem coberto, improvisado com materiais recicláveis. O projeto e a implementação dessas mudanças couberam aos próprios catadores, sem a intervenção direta dos técnicos e acesso a recursos financeiros.
A motivação principal deste tecnologia social é sua contribuição ao desenvolvimento da autonomia dos cooperados, mas isso não se concretiza sem a formação particular dos especialistas. A Incubação ao Inverso é uma metodologia voltada para a formação de técnicos interessados na estruturação e ampliação de redes de economia solidária, que se caracteriza pela alteração no estilo de intervenção técnica, da prática do consultor e gestor de projetos para à de um agente de transformação em um processo de educação mútua. Por esse lado, consiste em uma organização de “residência técnica” voltada à incubação de EES, que também incubam os técnicos. Ao trabalhar com empreendimentos solidários, a imersão do técnico é necessária para que ele se "enculture" dos valores socioprodutivos compartilhados. Na vivência dos problemas cotidianos, os técnicos compreendem a limitação de seu conhecimento no trato de questões públicas tão complexas, como as da reciclagem, da inclusão social e da geração de renda, com as quais os catadores lidam há décadas. Para que possam reconstruir as bases de sua atuação técnica, é necessário reconhecer a necessidade de incubar os técnicos incubadores. Por isso, chamamos essa tecnologia social de Incubação ao Inverso.
Recursos Necessários
O processo de Incubação ao Inverso, além do pesquisador sênior que atua como coordenador, envolve dois técnicos de nível superior (mestrandos e/ou doutorandos) que se dedicam em tempo integral ao projeto (sem prejuízo de suas próprias atividades de formação e participação em eventos). Como o processo de imersão dos técnicos é realizado junto às próprias associações e cooperativas, não é necessário espaço físico para incubação, apenas estrutura mínima de um gabinete de estudos, com laptops para facilitar o deslocamento e uso in situ. Para dar apoio às reuniões, além de um Datashow para reuniões coletivas, são desenvolvidos diversos instrumentos (ou objetos intermediários), como maquetes, miniaturas montadas com LEGO ou impressões 3D. Resumidamente, são necessários os seguintes equipamentos e equipe mínima:
- Coordenador sênior (tempo parcial)
- 2 técnicos de nível superior (tempo integral)
- 2 notebooks
- 1 impressora colorida
- 1 datashow
- 1 filmadora
- 1 câmara fotográfica
- material para maquetes (incluindo LEGO para arquitetura)
- acesso a impressora 3D (eventual)
Resultados Alcançados
Os resultados obtidos em ações junto a diversos grupos são diferenciados, em função da própria abordagem, que privilegia demandas e soluções desenvolvidas de forma colaborativa, portanto que são priorizadas pelos próprios cooperados. Os diversos projetos realizados ao longo de 15 anos são apresentados nos documentos anexos. Com a Coopesol Leste, de Belo Horizonte, o NAP implementou essa metodologia em sua forma mais desenvolvida, experiência que pode ser considerada a melhor referência da tecnologia social de Incubação ao Inverso.
A alimentação deficiente das bancadas de triagem decorrente do “mau funcionamento” do silo foi relacionada à baixa produtividade global, também causada pelo uso de caminhão compactador. Além de comprimir os resíduos e dificultar o escoamento no silo, o compactador quebra frascos e garrafas de vidro, aumentando os acidentes das triadoras.
A quantidade de material triada mensalmente, nesse período, estava inferior à quantidade de material recebida. Dessa forma, o material se acumulava no silo até o limite físico em que a plataforma de acesso ao caminhão se tornava também espaço de armazenamento de materiais. Para permitir o acesso do caminhão ao silo, interrompido por estoques de materiais acumulados, e desprender “blocos de materiais” que impediam o escoamento até as bancadas de triagem, havia dois catadores: um responsável pela contabilidade e outro pela operação de máquinas, que eram convocados pelas triadoras para “desgarrar” o material em momentos específicos.
O silo, que nos dois últimos anos de acompanhamento técnico pela incubadora, encontrava-se cheio, ao servir também a uma função de estocagem de material, passou a ser operado como estrutura unicamente de alimentação das bancadas, e permanece vazio em alguns intervalos de chegada de caminhões.
A cooperativa, que no início do projeto de extensão era responsabilizada pelo poder público como empecilho à ampliação do serviço de coleta seletiva na cidade, dada sua baixa capacidade de triagem, atualmente demanda mais material. Conseguiu-se, assim, alterar a percepção dos gestores públicos, que estão em fase de ampliação da coleta seletiva com contratação direta da cooperativa para realização dos serviços de coleta.
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