Objetivo
Disponibilizar uma tecnologia social replicável de tratamento de esgoto para comunidades ribeirinhas localizadas em áreas alagáveis da Amazônia, proporcionando qualidade de vida aos seus moradores, e contribuir para a alteração do quadro de saneamento nestas regiões.
Problema Solucionado
Na Amazônia brasileira apenas 14% dos municípios são atendidos com esgotamento sanitário. Na região Norte do país, que está inserida em sua totalidade na Amazônia Legal, 3.8 milhões de pessoas das áreas rurais não possuem ligações à rede de esgotamento sanitário ou fossa séptica. Pode-se inferir que a maioria dessas pessoas ainda praticam a defecação a céu aberto.
Raras políticas públicas para a melhoria das condições de esgotamento sanitário adequado para comunidades rurais da Amazônia alagável são conhecidas e disponíveis na literatura. As informações específicas sobre as unidades de tratamento de esgoto ainda não são bem divulgadas, e as especificidades técnicas destes sistemas são ainda insuficientes para a replicabilidade. Além deste problema, o próprio ambiente natural se constitui em um ambiente desafiador para a implementação de tecnologias de esgotamento sanitário, dado seu pulso de inundação, que alaga anualmente as planícies dessa região. A várzea da Amazônia central, que é uma planície alagável, é uma região especialmente desafiadora quando se trata de esgotamento sanitário adequado. Por até cinco meses no ano, somente na Reserva Mamirauá, calcula-se que aproximadamente 13.200 km2 ficam alagados devido à variação sazonal do nível da água em até 12 metros. Com este ciclo sazonal há uma alternância entre áreas secas e alagadas nas comunidades rurais, e a distância das residências varia conforme a época do ano. Outros fatores ambientais amazônicos, como deslizamento de encostas e áreas de acesso exclusivamente hidroviário, confirmam os desafios para o esgotamento sanitário na região.
Assim, o problema atacado pela “fossa alta comunitária” é o tratamento de esgoto específico para áreas alagadas da Amazônia, ainda praticamente desconhecido.
Com esta solução tecnológica, as famílias poderão ter um sanitário para uso com dignidade, privacidade, conforto, e ainda combatendo os problemas de saúde relacionados com a falta de saneamento.
Descrição
A Tecnologia:
A ‘Fossa Alta Comunitária’ é composta pelos seguintes elementos: um tanque séptico circular de fibra de vidro ou polietileno; um filtro anaeróbio circular de polietileno, com meio filtrante formado por cacos de tijolo; um sumidouro circular; e uma base elevada em concreto. (desenho esquemático nos Anexos).
Em termos de funcionamento, as águas residuais do vaso sanitário são direcionadas para o tanque séptico, onde passam pelo processo de decantação, sedimentação, digestão anaeróbia. Em seguida o efluente pré-tratado é direcionado para o filtro anaeróbio de fluxo ascendente, passando por processos de retenção de partículas e ação metabólica de microrganismo presentes no biofilme do meio suporte. Após esse tratamento o efluente já clarificado é direcionado para um sumidouro.
Do ponto de vista de concepção do sistema considerando os períodos do ano, o sumidouro foi projetado para infiltrar o efluente durante a seca, e neste momento neutralizando os patógenos possivelmente presentes. Durante a cheia o efluente fica confinado no sumidouro, que é construído com vedação em concreto na parte superior, impedindo a dispersão de patógenos no meio. O efluente do filtro ainda poderá ser lançado no corpo hídrico durante a cheia, com distância segura da área de uso da comunidade. O nível da base permite que tanto tanque séptico quanto filtro anaeróbio permaneçam sempre fora d’água em qualquer época do ano, garantindo uso continuado para as famílias durante todo o ano.
O sistema foi projetado para receber esgoto até quatro residências simultaneamente, sendo considerado semicoletivo. Este formato reduz custos per capita de implementação, e foi uma ideia desenvolvida entre a equipe técnica e moradores. O critério para definição do número máximo de residências atendidas está relacionado com a distância entre elas (até 8 metros), de forma a permitir a instalação de uma rede coletora de esgoto segura o suficiente para não serem danificadas, uma vez que as tubulações são externas e suspensas. Outro critério é o número de usuários (moradores), limitando-se a 24 pessoas.
Além do tratamento, há a instalação de sanitários nas residências. São compostos por caixa d’água de 300 litros, caixa de descarga, vaso sanitário, pia com torneira (higiene pessoal), estrutura de madeira. Os sanitários possuem características de interface próprias, como a altura da superestrutura (‘casinha’), acesso por rampa ou escada, estar instalado dentro ou fora de casa, possuir ou não portas e janelas com telas de mosquiteiros, cores de pintura interna e externa, e instalação de chuveiro. Estas características são de decisão da família, que escolhem o melhor arranjo. As decisões sempre são respeitadas pela equipe.
Assim, o pacote tecnológico da ‘fossa alta comunitária’ é composto por um ou mais sanitários e respectivos sistema de tratamento de esgoto.
O Processo de Implementação
Ocorre em 8 etapas principais:
1 - Aproximação Institucional, onde se inicia um diálogo com as instituições locais de interesse no saneamento, para verificar como elas podem contribuir com o projeto;
2 – Apresentação do Projeto à Comunidade, com a identificação das lideranças da comunidade e apresentação dos detalhes do projeto, incluindo características do sistema, e as responsabilidades institucionais e dos moradores;
3 – Entrevistas com Famílias, para compreender o perfil socioeconômico da comunidade a ser contemplada com a tecnologia social, realiza-se uma entrevista com todas as famílias da comunidade;
4 - Seleção de famílias contempladas, com a construção conjunta de critérios de seleção de famílias que receberão o pacote tecnológico (sanitário + fossa). A escolha final dos critérios é sempre realizada pelos moradores;
5 - Planejamento participativo de instalação, feito em parceria com a comunidade, e respeita o conhecimento tradicional. Com os moradores, são determinadas a melhor época do ano para a construção, as áreas onde a tecnologia será construída. Valoriza-se o saber local sobre o regime das águas (cheia e seca).
6 - Instalação participativa, inicia-se o trabalho de instalação. A participação dos moradores acontece de várias formas, entre elas: Transporte de materiais de construção; Auxílio com os serviços de alvenaria e carpintaria; Disponibilização de madeira; e Preparo de alimentação.
7 - Oficinas de treinamento, que ocorre posteriormente ao processo de instalação. São abordados três grandes temas: importância do sanitário em seus múltiplos aspectos, reparo de conexões, e manutenção das unidades de tratamento.
8 - Acompanhamento de uso, com visitas técnicas à comunidade, com o objetivo de identificar eventuais problemas no uso ou funcionamento do sistema. Parte do monitoramento é realizado pela comunidade, através de um morador com mais afinidade com o sistema.
As mulheres são inseridas e estimuladas a participarem em todas as etapas.
O processo detalhado está no anexo “Sistematização do Processo”.
Recursos Necessários
Para a construção da fossa alta comunitária são necessários materiais de consumo, ferramentas manuais e elétricas.
Entre os materiais de consumo estão aqueles necessários para:
i. instalação hidráulica e rede de esgoto (tubos de PVC de água e esgoto de várias dimensões, caixas d’água com volumes de 500, 1000 e 3000 litros, conexões de PVQ diversos como joelhos, curvas, luvas, adaptador soldável, cola para PVC, lixas, silicone, braçadeiras e fita veda rosca);
ii. construção da base de alvenaria elevada (tábuas e ripas de azimbre, pregos, varas de ferro, estribos, arame recozido, cimento, areia e seixo rolado);
iii. construção do sumidouro (tijolos, areia, seixo, ferro, arame recozido e cimento);
iv. construção dos sanitários (pia, vaso sanitário, caixa de descarga, engate flexível, rosca niple, luva PVC solda rosca, espude, cano para descarga, vara de ferro, arruelas, porcas, pregos, tábua de madeira, esteio de madeira, vigas de madeira, ripas de madeira, telhas de alumínio e tinta).
As principais ferramentas elétricas usadas são: furadeira e parafusadeira, motosserra, e serra circular. Entre as ferramentas manuais são necessários: alicate, boca de lobo, canivete, chave grifo, enxada, enxadeco, esquadro, ferro de cova, martelo, nível, pá, serra copo, serrote, serra-ferro e trena.
Em termos de pessoal, são necessários, no mínimo, um pedreiro, um ajudante de pedreiro, e ao menos dois carpinteiros, que podem ser os próprios moradores contemplados com a tecnologia.
Para instalar uma unidade desta tecnologia social são necessários:
2 Técnicos em Tecnologias Sociais para mobilização da comunidade, compras gerais e acompanhamento da obra;
1 pedreiro especialista em alvenaria e 1 ajudante;
Participação de ao menos 3 moradores para auxiliar em todas as etapas da implementação.
O trabalho de instalação dura 40 horas e pode ser realizado em cinco dias
Resultados Alcançados
A ‘Fossa Alta Comunitária’ (FAC) foi instalada em duas localidades, ambas em área de várzea. A primeira delas é na Comunidade Santa Maria, município de Tefé-AM. Foram instalados 3 unidades, contemplando 6 famílias ou 23 moradores, sendo 2 idosos e 1 deficiente. Com estas instalações, a comunidade passou de 0% para 20% de cobertura de tratamento de esgoto.
A segunda comunidade beneficiada foi São Raimundo do Jarauá, na RDS Mamirauá, em Alvarães-AM. Foram instalados uma unidade na escola e outra unidade no centro comunitário. Na escola, a FAC beneficiou 54 alunos e 6 coladores, cobrindo 100% da demanda de tratamento de águas de vaso sanitário. No centro comunitário, a FAC foi instalada de forma a beneficiar 100% da comunidade, com capacidade para atender aos 170 moradores.
Ao total, foram beneficiados 253 moradores, em duas comunidades, em dois municípios do interior do Amazonas, sendo uma delas em Unidade de Conservação.
Do ponto de visto qualitativo, a tecnologia apresentou resultados promissores. Como ela foi desenvolvida levando em considerações as demandas locais dos moradores de várzea houve uma aceitação geral da tecnologia por seus usuários.
A participação durante os processos de planejamento e construção da tecnologia permitiu que houvesse certo grau de apropriação pelos moradores. Ao perceberem que suas contribuições se concretizavam durante a implementação da FAC o sentimento de posse aumentava.
Destacam-se alguns benefícios percebido da FAC:
• conforto e comodidade para moradores, por não necessitaram mais ir ao mato fazerem suas necessidades, principalmente à noite, ou na chuva.
• Conveniência de uso, por agora possuírem um sanitário dentro de casa.
• privacidade, principalmente para as mulheres e meninas, por não mais se exporem ao ar livre quando faziam suas necessidades
• saúde, por conseguirem relacionar a presença do sanitário com a diminuição de doenças relacionadas à falta de saneamento, principalmente com as crianças.
• Segurança, por não mais se exporem a animais perigosos comuns nas áreas rurais da Amazônia, como cobras, onças, jacarés, insetos, quando iam fazer suas necessidades ao ar livre,
• status social, porque a posse de um sanitário denota certo grau de melhoria de infraestrutura da residência, sendo relacionada a um ambiente mais organizado.
O acompanhamento destes resultados foi realizado através de entrevistas semiestruturadas, visitas de campo, observação participante, elaboração de relatório, todos no âmbito de uma Pesquisa Ação.
Público atendido
População Ribeirinha
Agricultores
Idosos
Pescadores
Pequenos Produtores Rurais
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