Problema Solucionado
As queimadas são comuns na Amazônia na época de plantio para a limpeza da área e para disponibilizar nutrientes para a fase de cultivo. Este sistema necessita de pousios longos para ser sustentável, entretanto, a demanda por alimentos exerce pressão para redução deste período, comprometendo a capacidade de regeneração da vegetação. Além disso, a modernização da agricultura contribui para a expansão de monoculturas, reduzindo o nível de emprego rural e acelerando o êxodo de agricultores para as cidades, agravando as desigualdades sociais.
Os agricultores da Amazônia usam o fogo por não conhecerem alternativas viáveis de trabalhar com o solo e necessitam implantar suas roças para garantir a própria sobrevivência. Dessa forma, a agricultura familiar corre risco de não sobreviver, pois áreas intensamente exploradas não conseguirão produzir alimentos por mais gerações.
Em 1991, a Embrapa Amazônia Oriental iniciou, com cooperação da Alemanha, estudos para viabilizar um futuro sustentável à agricultura familiar na Amazônia, focalizando o manejo sustentável da capoeira, o preparo da área para plantio e pousio. Assim surgiu o Sistema “Tipitamba”- capoeira na língua dos índios Tyriós.
Descrição
O acelerado aumento de desmatamento das florestas tropicais promoveu o surgimento de enormes áreas de vegetação secundária (capoeira). Estas áreas têm grande importância ecológica, em termos de crescimento florestal, acúmulo de biomassa, benefícios hidrológicos e manutenção da biodiversidade, pois são capazes de promover o bombeamento de nutrientes de camadas profundas, absorver e fixar CO2 atmosférico, restaurar parcialmente as funções hidrológicas das florestas primárias, controlar a erosão, lixiviação e espécies vegetais invasoras, fornecer madeira, além de servir como corredor ou área de expansão da vida selvagem.
O Sistema Tipitamba baseia-se no manejo sustentável da capoeira como uma alternativa para recuperar áreas alteradas e antropizadas, evitar queimadas, expansão da fronteira agricola e aumentar a fonte de renda do agricultor. Inicialmente, para melhorar a produção de alimentos na região é possível enriquecer a capoeira com árvores leguminosas dentro do roçado. O plantio de árvores na fase agrícola tem por objetivo melhorar os acúmulos de biomassa e nutrientes e, no final do pousio, a biomassa acumulada pode ser triturada, espalhada como cobertura morta sobre o solo para que, após a decomposição, libere nutrientes para o roçado seguinte. A repetição desse ciclo ao longo dos anos melhora a incorporação da matéria orgânica ao solo e, conseqüentemente, suas propriedades químicas, físicas e biológicas.
A tecnologia desenvolvida indica três possibilidades de seqüência que irão nortear a implantação de sistemas de produção sustentáveis. A base é o preparo de área sem o uso fogo, seguido dos cultivos anuais, milho, feijão-caupi e mandioca (ou outros cultivos) por duas vezes na mesma área: após essa fase, a área pode seguir três opções: a) Deixar área em pousio natural por 4 a 7 anos; b) Enriquecer capoeira com leguminosas de rápido crescimento com pousio de apenas 2 anos; c) Introduzir fruteiras tropicais e espécies florestais transformando em sistemas agroflorestais
O preparo de área sem uso fogo pode ser realizado mediante diferentes ferramentas ou equipamentos e, dependendo do grau de desenvolvimento da vegetação, pode ser manual (facões e terçados), com ensiladeira ou mecanizado (fresador florestal) de acordo com a quantidade de biomassa de capoeira por unidade de área.
O projeto de pesquisa adota atualmente a metodologia de pesquisa participativa, ajustando a tecnologia sob a lógica dos agricultores, pois identificar e/ou prever os impactos e interferências sobre os sistemas de produção é de fundamental importância para que o processo de apropriação da tecnologia pelos agricultores seja efetivado. Nesse sentido, um amplo esforço de validação e adaptação tecnológica junto aos agricultores vem sendo realizado para que possam gerar resultados que sejam utilizados na elaboração de políticas públicas e que permitam à adoção desta tecnologia por outros agricultores familiares para a recomposição da paisagem amazônica.
Atualmente a adoção da tecnologia se faz presente em 42 famílias de pequenos produtores rurais, distribuídos nas comunidades de Nova Olinda, São João, Novo Brasil, Arsênio, Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora do Rosário, nos municípios de Igarapé-Açu e Marapanim (Estado do Pará), envolvendo além de agricultores(as), adolescentes e crianças e professores com ações de educação ambiental. Além de ações de validação participativa em quase todos os estados da Amazônia, através das unidades da Embrapa.
Recursos Necessários
Para a implantação de uma unidade do Sistema Tipitamba são necessários insumos e implementos agrícolas, combustível e mão-de-obra. O projeto não envolve agricultores individuais, estimula o trabalho comunitário e o associativismo nas comunidades rurais familiares visando o melhor otimização do uso dos recursos.
O estabelecimento de alianças estratégicas com parceiros é de fundamental importância para a implantação do sistema, portanto, o projeto estimula a formação de uma rede de transferência de tecnologias com objetivo de articular e integrar um conjunto de instituições para promover uma transição agroecológica e transformação social. O custo da aquisição do trator e implemento agrícola para o preparo de área mecanizado, por exemplo, conta com o apoio da Embrapa Amazônia Oriental, Prefeitura Municipal e Secretaria de Agricultura do Estado. No município de Barcarena, a empresa privada Albras S.A. adquiriu o equipamento e realiza o preparo de área para a comunidade rural presente no entorno de sua unidade de produção.
Para o levantamento de custos de uma unidade da tecnologia é considerado uma área referencial de um hectare com produção do cultivo de mandioca consorciada com feijão-caupi – base da alimentação dos agricultores na região. A mandioca é cultivada em espaçamento de 1,0x1,0m e o feijão-caupi em 0,5x 0,3m. No cultivo do feijão-caupi é realizada uma adubação com NPK 10-28-20 ou NPK 18-18-18, em quantidade de 5 a 10g por cova de feijão.
Resultados Alcançados
Os resultados alcançados pela tecnologia são:
1. Redução perdas de nutrientes: a cobertura do solo aumenta o teor de matéria orgânica e melhora fertilidade do solo, evitando a erosão.
2. Intensificação do sistema de produção: a tecnologia possibilita redução do período de pousio de 4 para 2 anos e permite 2 fases de cultivo consecutivos, enquanto que, o sistema tradicional permite apenas 1 fase de cultivo.
3. Flexibilidade do calendário agrícola: o preparo da área para plantio não depende do período seco, pode ser realizado em outras épocas.
4. Redução na incidência de plantas espontâneas: a cobertura morta proporciona a inibição da germinação das sementes de plantas espontâneas que competem com as plantas cultivadas.
5. Sucesso da tecnologia: a produção de mandioca ultrapassa a média estadual com 19 t.ha-1.ano-1 e até 29 t.ha-1.ano-1 com adubação. A apropriação do conhecimento permitiu também a diversificação com sistemas agroflorestais multiestratos, boas práticas agrícolas e incremento na produtividade.
Como oferta de serviços ambientais, a tecnologia proporciona:
1. Ciclagem de nutrientes: as raízes da vegetação atingem grandes profundidades e recuperam nutrientes lixiviados ao longo do perfil do solo.
2. Qualidade do solo: a biomassa é fonte de matéria orgânica e promove melhorias das características químicas, físicas e biológicas do solo.
3. Melhor conservação de água e regulação térmica do solo: a cobertura morta evita a incidência direta dos raios solares, mantém a temperatura mais baixa e estável, favorece a conservação da umidade e evita perdas por evapotranspiração e erosão do solo.
4. Conservação da biodiversidade: na fase de pousio a vegetação secundária cresce e acumula biomassa e nutrientes que servirão para a fase de cultivo agrícola, assegurando a manutenção da biodiversidade.
5. Dinâmica de água e nutrientes: a permanência das raízes no solo é responsável pela formação de redes protetoras, reduzindo perda de nutrientes por lixiviação.
6. Seqüestro de carbono: o balanço final de seqüestro de carbono pelo Sistema Tipitamba é maior do que no sistema tradicional devido à ausência de perdas pela queima e maior acúmulo de biomassa pela vegetação de pousio.
7. Redução da emissão de gases de efeito estufa: a tecnologia libera 5 vezes menos CO2 equivalente quando comparada ao preparo de área tradicional (Global Change Biology, 2008: An integrated greenhouse gas assessment of an alternative to slash-and-burn agriculture in eastern Amazon
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