Problema Solucionado
O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos no mundo, e ainda, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), o país se tornará o maior produtor de alimento na próxima década. Porém, grande parte desta produção é destinada a exportação e produção de ração de carne animal, assim a agricultura familiar possui uma papel fundamental na cadeia de abastecimento de alimentos e para a soberania alimentar no Brasil. Cerca de 70% do que é consumido no Brasil vem da agricultura familiar, segundo dados do IBGE/2006, porém a produção, distribuição e comercialização deste produto é um obstáculo enorme no país. No sistema convencional de comercialização, o valor de venda da produção familiar e/ou orgânica e agroecológica é infinitamente prejudicial ao agricultor, já que a cadeia comercial entre a produção e a venda neste sistema possui diversos atravessadores que atuam de forma pouco transparente com os demais integrantes da cadeia e tornam o preço do produto caro para o consumidor pouco ganho financeiro para o agricultor. Assim, o Grupo de Consumo Responsável surge como difusor de novo modelo de comercialização ao sistema dominante e tradicional.
Descrição
A criação de um GCR se dá em quatro passos. O primeiro passo é mobilizar os consumidores: Um GCR costuma nascer a partir do desejo comum de um grupo de pessoas que compartilham determinadas vontades e princípios. Esses ideais de consumo alternativo devem ser identificados e discutidos para definir as bases do grupo e do seu funcionamento. Nesta etapa inicial, já se pode pensar em conservar os contatos das pessoas interessadas e começar a estabelecer redes de comunicação para o GCR. A maioria dos GCRs focam sua atuação na questão do consumo de alimentos mais saudáveis e produzidos de forma justa e solidária, embora muitos também contemplem alguns outros produtos artesanais alinhados com esses valores (cosméticos naturais, por exemplo). O segundo passo é encontrar um ou vários agricultores: outra etapa determinante na construção do GCR é a relação com os produtores (agricultores, produtores artesanais, empreendimentos da economia solidária etc.) que irão fornecer determinados produtos para os consumidores. Se o “núcleo duro” que está iniciando o GCR ainda não tem uma relação consolidada com produtores, sugere-se mapear produtores próximos ao grupo (do município e/ou da região), levando em conta os princípios e critérios previamente adotados, além das facilidades e dificuldades do contexto local. No primeiro contato com os produtores, também é importante explicar a proposta, os princípios, as limitações e potencialidades de um grupo de consumo. Pode ser que, no começo, o número de consumidores seja menor e vá aumentando ao longo do tempo. O GCR não necessariamente representa grandes volumes, mas a parceria do produtor com um GCR trás algumas vantagens como: o pedido antecipado evita perda de produtos e dedicação de tempo para a venda (como ocorre nas feiras); e a oportunidade de ter mais uma fonte de escoamento de seus produtos (o GCR combinado com outras fontes de venda evita que o produtor estabeleça relações de dependência). Em um GCR, o produtor tem a oportunidade de ser reconhecido por qualidades que nem sempre são valorizadas nos canais convencionais de comercialização: respeito à sazonalidade, valorização do sabor e não apenas da aparência, uso de ingredientes e processamentos mais naturais. O produtor tem a oportunidade de uma proximidade maior com o consumidor, podendo assim contribuir para um processo de reeducação alimentar dos consumidores (por exemplo fornecendo alimentos menos conhecidos). O terceiro passo é definir coletivamente o funcionamento do GCR: Após os primeiros contatos e encontros, é hora de firmar a parceria entre consumidores e produtores, de acertar os princípios e valores e de definir efetivamente como será o funcionamento do GCR. Quais são os princípios do GCR? Como serão feitas as entregas, com quais meios? Como será a entrada, permanência e saída dos produtos comercializados no GCR? Como se dará a gestão financeira? A entrada e saída de membros (consumidores e produtores) do GCR? Essas são algumas das questões essenciais para iniciar o funcionamento do GCR, embora outras possam surgir. Quarto passo: comunicar e desenvolver atividades educativas: Além das atividades de gestão que garantem o bom funcionamento das entregas, os GCRs se destacam pelo caráter educativo da sua atuação, pois são espaços tanto de prática como de reflexão. Sendo assim, muitos grupos desenvolvem processos de educação e comunicação sobre sua atuação junto aos seus consumidores e produtores e à comunidade de forma mais ampla. A divulgação das atividades acompanha o crescimento do GCR, pois permite mobilizar um número maior de consumidores (que costuma ser pequeno no início do funcionamento do grupo), inclusive dispostos a se envolverem na gestão do grupo, mas também a atrair outros produtores interessados na proposta. Essa comunicação externa pode se dar graças à elaboração de folhetos, boletins de informação, reportagens e artigos, postagem de fotos ou, ainda, vídeos, em função das possibilidades dos membros do GCR. Podem ser documentos divulgados em site próprio, páginas nas redes sociais, em sites de parceiros, em jornais ou canais de televisão locais. Além disto, para essa divulgação pode ser interessante que o grupo possua uma identidade visual (um logo, um nome etc.). Vale ressaltar que as experiências dos GCRs mostram que o boca a boca é um meio muito importante para divulgar e atrair novos membros.
Os GCRs podem ser implementados em qualquer comunidade: moradias (populares ou não), escolas públicas ou privadas, cooperativas e associações, locais de trabalho (escritórios) etc. Atualmente existem mais de 25 grupos mapeados pelo Instituto Kairós em todo o Brasil (São Paulo/SP, Alta Floresta/MT, Manaus/AM, Salvador/BA, Porto Alegre/RS e outras cidades). Estes grupos têm a sua própria autonomia de gestão e comercialização, e foram criados a partir da iniciativa dos consumidores e na vontade de comprar produtos saudáveis e baratos para além do proposto no sistema tradicional de comercialização.
Recursos Necessários
Para formar um grupos de consumo responsável, não há necessidade de recurso financeiro, tendo em vista que a formação deles dependem da iniciativa de consumidores em se organizarem coletivamente, mapearem agricultores familiares que comercializam alimentos periodicamente e realizar a compra direta destes produtos. É muito importante a visita pessoal ao agricultor para o reconhecimento de ambos e a estruturação de uma parceria honesta. Alguns grupos possuem taxas para os custos operacionais e administrativos: incluído uma taxa nos preços das cestas de produtos que é comercializada para os consumidores (geralmente algo entre 5% a 10% do valor da cesta) ou uma taxa de contribuição dos associados (também algo entre 10% a 15%). Além dos custos operacionais, as taxas podem ser utilizadas para formação de um fundo coletivo, central para a manutenção do grupo. Em casos de atrasos de pagamento, necessidade de infra-estrutura (balança, geladeira, caixas etc), visitas ao produtor, este é um recurso que pode ser acionado. O Instituto Kairós em parceira com o GCR Rede Guandu criou uma cartilha ("Criando um Grupo de Consumo Responsável: um passo a passo para estabelecer um grupo" - http://consumoresponsavel.org.br/cartilhagcr/) que facilita a compreenção para a criação destes grupos e para o envolvimento comunitário junto ao agricultor.
Resultados Alcançados
Atualmente existem mais de 25 Grupos de Consumo Responsável espalhados no Brasil. No mapeamento realizado pelo Instituto Kairós, que pode ser visto no site da organização (institutokairos.net), é possível verificar a abrangência de produtores que fornecem ao grupos (mais de 300 produtores em todo o Brasil), assim como a quantidade de consumidores atendidos (mais de 3.500 famílias consumidoras em todo o território). Existem também articulações de redes locais, como é o caso da Rede Sampa de GCRs, organizada entre grupos da Região Metropolitana de São Paulo. A rede organiza compras coletivas integradas, possibilitando relações antes inviabilizadas pela problemática da escala, trocando experiências práticas, aprofundando parcerias e atuando conjuntamente no incentivo para a formação de novas experiências similares. Os GCRs constróem em seu dia a dia práticas alinhadas com os princípios da economia solidária e do comércio justo e solidário, como foi descrito no estudo: http://biblioteca.consumoresponsavel.org.br/items/show/119 . Para exemplo de resultados, utilizamos dados do GCR ComerAtivaMente, localizado dentro da Cidade Universitária em São Paulo e membro da Rede Sampa de GCR e da Rede Brasileira de GCRs. Atualmente o coletivo se relaciona com aproximadamente 30 famílias de agricultores agroecológicos e em transição, com diversos perfis, localizados em diferentes regiões do Brasil, com destaque para a região Sul e Sudeste. Ibiúna, Cajamar, Gonçalves, Barra do Turvo, Pariquera-açu e Serra Negra são alguns dos municípios onde estão localizados seus agricultores parceiros. Com alguns deles mantêm relação regular e com outros esporádicas, de acordo com as ofertas e demandas e com a capacidade organizativa. Fazem parte da gestão 12 pessoas, com forte protagonismo feminino. Organizadas em duplas, organizam a oferta e demanda entre os consumidores e os agricultores. Constam 144 associados no grupo, dos quais 49 estiveram ativos no mês de abril de 2017. Em 2017, houve um investimento médio de R$ 4.000 por mês com os agricultores. Porém, no final de 2016, o investimento foi de R$ 7.234,00 no mês de Outubro, R$ 9.090 em Novembro. Para as agricultoras e agricultores envolvidos nesse processo, esses valores são significativos, mesmo que pareçam insignificantes se comparados ao montante mensal rodado para abastecer a cidade de Sao Paulo. Circula-se mensalmente cerca de 500kg de alimentos frescos no grupo, sendo praticamente zero a taxa de desperdício.
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