Problema Solucionado
O Marajó é também o arquipélago das densas florestas e sinuosos rios. Um destes, é o Acuti Pereira, uma das suas comunidades é Santo Ezequiel Moreno, em Portel (PA). A exploração predatória dos recursos naturais, principalmente a madeira e o palmito de açaí, levaram a graves problemas socioambientais para as comunidades do rio Acuti-Pereira: em 2004 causou o ataque de morcegos hematófagos na comunidade de São Bento, levando a óbito 15 pessoas. Na comunidade Santo Ezequiel Moreno a derrubada dos açaizeiros para extração do palmito fez a comunidade não ter açaí para sua alimentação. A situação se agravava pela falta de condições de infraestrutura: casas inadequadas (somente com o telhado de palhas), dificuldade de locomoção entre os comunitários - as casas eram isoladas entre si - e da comunidade com a área de trabalho agrícola na terra-firme - para alcançar as roças tinham que usar canoas ou andar nas “pontes rolantes”, que são toras de madeira sobre a água. Assim, de um lado, havia a pressão externa para que a comunidade continuasse a ser conivente com a exploração de seus recursos florestais e de outro, a baixa qualidade de vida parecia não oferecer outra alternativa.
Descrição
Como um rio, o Fundo Solidário Açaí teve seus pontos de curva, que geraram mudança de ritmo e velocidade e até mesmo de direção, produzindo aprendizados metodológicos, descritos a seguir. A curva da educação popular e da organização local (2000 a 2006): a participação das lideranças em cursos, eventos e intercâmbios, levou à construção de conhecimentos e despertar para a necessidade da organização local. Após intensa discussão na comunidade, fundam a Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Rio Acuti Pereira – ATAA (2004). Aprendizado: Formar lideranças por meio da educação popular (encontros da comunidade, atividades dos movimentos sociais, programas e processos formativos locais e supralocais, etc) para compreender os problemas da comunidade, relacionando-os à questões estratégicas (exemplo: regularização fundiária e o manejo florestal comunitário). Fortalecer as relações de confiança e reciprocidade na comunidade. Discutir e deliberar coletivamente a forma jurídica de organização social da comunidade.
A curva do ordenamento territorial (2006 a 2012): Em 2006, em parceria com a FASE, foi elaborado um Diagnóstico Socio-econômico-ambiental do Rio Acuti-Pereira e se descobriu o impacto do açaí na economia das famílias: o consumo de açaí reduzia de R$ 100,00 a R$ 120,00 o “rancho” mensal de uma família da Sto. Ezequiel Moreno (Baixo Acuti Pereira) em relação às famílias do Médio e do Alto Acuti Pereira. Com base no diagnóstico, foi elaborado o Plano de Uso dos Recursos Naturais do Rio Acuti Pereira, onde o açaí tinha destaque como recurso florestal que poderia ser apropriado como “riqueza” econômica e social pelas comunidades. Aprendizado: Realizar um diagnóstico dos problemas socioambientais da comunidade e das potencialidades econômicas do território. O diagnóstico é base para verificar a viabilidade de uma iniciativa de Fundo vinculado aos recursos florestais comunitários.
A curva das “pontes rolantes” e dos “barrancos” (2010 a 2012): Em 2010, a substituição da exploração do palmito pelo manejo dos açaizais já dava resultados: a produção e a renda aumentaram e os açaizais estavam conservados. Mas o recurso financeiro gerado pelo açaí não mudava as condições de vida da comunidade em problemas básicos como a mobilidade dentro da comunidade: as casas sobre o rio e os “barrancos” (uma vegetação aquática densa que impede a navegação) exigiam formas específicas de locomoção e o que a comunidade tinha eram as “pontes rolantes” - troncos de madeira sobre a água, precariamente fixados -, que geralmente causavam acidentes. A solução: a cada lata (cerca de 15 quilos) de açaí coletada e vendida se doaria R$ 1,00 para compor o Fundo Solidário Açaí e o recurso arrecadado seria usado em investimento em “bens, serviços e equipamentos de uso coletivo”, em benefício de todas as famílias da localidade A comunidade foi chamada e num processo de várias assembleias e reuniões se apresentou e discutiu a ideia, pois se tinha clareza: se deveria realizar quantas reuniões ou encontros fossem necessários para a definição participativa sobre o que se pretendia com o fundo, suas finalidades, o valor pecuniário de cada contribuição, a “riqueza produtiva da comunidade” que daria sustentação, como seria a tomada de decisões. Aprendizado: Que pelo menos 50% da comunidade esteja ou seja convencida de que o fundo é viável, o que exige tempo e esforços para o diálogo e o convencimento.
A curva da consolidação organizativa (2012 a 2016): A primeira “grande obra” realizada com recursos do Fundo Açaí (2012) foi uma ponte de 690 m, que liga a área de várzea (onde estão as casas dos comunitário) à área de terra-firme (onde estão as roças), um salto logístico na comunidade. Mas ainda se precisava remar nas águas da organização da iniciativa. Para o controle da produção e da arrecadação coletada para o Fundo utilizou-se inicialmente a anotação em cadernos e hoje estão treinando o uso de planilhas eletrônicas, fez-se acordos para facilitar a arrecadação junto aos participantes, os procedimentos foram sendo adaptados, até que em 27/3/2016 se discutiu e formulou um Regimento Interno. Buscou-se parceiros: para as ações ou projetos de infraestrutura e de diversificação da base produtiva da comunidade (avicultura, a piscicultura e o cacau) a serem implantados com os recursos do Fundo e, finalmente, parceria com o IEB para a sistematização da experiência. Aprendizado: Registrar sistematicamente a produção e a contribuição de cada pessoa/família ao fundo. Discussão exaustiva das ações ou projetos que o Fundo vai implantar. Comunicação ativa entre os participantes (celular, boca-a-boca, reuniões, encontros, documentos escritos, etc). Buscar aprendizados sobre gestão e de prestação de contas. Para garantir a perenidade da iniciativa, que a base econômica-produtiva do fundo seja diversificada. Prestações de contas da forma mais transparente possível, aprimorando estes meios progressivamente, desde que sejam possíveis de operar pelos comunitários.
Recursos Necessários
A metodologia do Fundo Solidário consiste num conjunto de atividades articuladas. Seguem os materiais e equipamentos específicos de cada atividade. (1) Diagnóstico Socioeconômico e ambiental do Território: imagens de satélite gratuitas, aparelhos de GPS, cópias de formulários para entrevistas semiestruturadas, alimentação e combustível para equipe de campo, (2) Encontro de apresentação pública dos resultados do diagnostico: resumo executivo do diagnóstico impresso, local para o evento, alimentação e combustível para participantes do encontro, (3) Ciclo de reuniões ou encontros para formatação e discussão da proposta de um fundo solidário com base econômica nos recursos florestais comunitários: combustível e alimentação para equipe de facilitação metodológica das reuniões/encontros, (4) Encontros de planejamento, monitoramento e avaliação do 1º ciclo de arrecadação e investimento em ações/projetos coletivos do fundo: local para o evento, alimentação e combustível para participantes do encontro. Em todas estas atividades serão necessários equipamentos de apoio: um notebook, uma impressora e um projetor multimídia, assim como material de escritório e expediente: papel A4, caderno para anotações, cartolinas, canetas esferográficas, tinta para impressora, pastas.
Resultados Alcançados
No decorrer de 6 anos de atividades o Fundo Solidário Açaí já se reverteu em 16 ações ou projetos na comunidade, seja com recursos exclusivos ou em parcerias. Entre estes se podem destacar a construção da ponte de 690 metros e de passarelas (pontes menores) ligando as moradias entre si e os espaços de convivência social com as áreas de produção agrícola ou do extrativismo, a captação e distribuição de água potável, a instalação de um aviário e a construção (ainda em conclusão) de uma pousada/restaurante, a instalação de uma miniagroindústria de beneficiamento de frutas e finalmente a aquisição de um datashow. Estas ações/projetos possibilitaram maior convivência social entre as famílias, que agora podem se encontrar com maior facilidade, diminuíram a penosidade do trabalho agrícola e extrativo, reduzindo acidentes e facilitando o transporte interno da produção e uma maior qualidade na produção de alimentos, assim como uma maior participação no PNAE e a internalização de novas práticas produtivas na comunidade. Em termos quantitativos isso significou a produção de 3 mil mudas de cacau, a ampliação do período de produção do açaí em mais quatro meses, resultando em 44.243 latas ou 663.645 quilos de açaí de 2010 a 2014 e a eliminação do corte raso de açaizeiros para a extração do palmito na comunidade. Finalmente, a comunidade aumentou a autoestima e a autopercepção de sua capacidade em gerenciar seus recursos florestais e seu território, o que se pode visualizar em ações como: passaram a organizar a venda de sua produção de forma direta, sem atravessadores; reivindicaram e conseguiram a inclusão de itens da sua culinária agroextrativista no cardápio da merenda escolar; realizaram a 1ª feira de ciências do Acuti Pereira e participaram na organização do 1º e do 2º seminário da agricultura familiar de Portel. A mensuração das informações quantitativas tem sido acompanhada por meio da sistematização dos registros da produção em cadernos e esta autopercepção positiva da comunidade foi aferida em recente trabalho de sistematização da experiência, em parceria com o IEB.
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