Problema Solucionado
Nos anos 1970 a região do médio Solimões era muito visada por grandes embarcações pesqueiras de Manaus e entorno, que buscavam locais cujos estoques pesqueiros ainda eram pouco explorados. Esse problema levou a Igreja Católica a criar um movimento preservacionista de lagos, atraindo, mais tarde, pesquisadores, liderados pelo biólogo Marcio Ayres, que identificaram na região um grande potencial para conservação.
Em meados dos anos 1980 foi criada a Estação Ecológica Mamirauá, recategorizada, em 1996, para Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá. Nesse mesmo ano foi publicado o primeiro Plano de Manejo da unidade, construído participativamente.
O zoneamento da região, após a criação da RDS Mamirauá, limitou as áreas de uso dos moradores locais, pois, algumas áreas anteriormente de uso “livre”, passarem a ter status de proteção permanente. No entanto também possibilitou uma maior organização da área e a criação de novos manejos e alternativas econômicas.
Um dos manejos especiais criado foi o turismo de base comunitária, cuja destinação era a exploração de uma alternativa econômica que deslocasse parte da pressão sobre os recursos naturais tradicionalmente explorados
Descrição
Segundo o Ministério do Turismo “o turismo de base comunitária é compreendido como um modelo de desenvolvimento turístico, orientado pelos princípios da economia solidária, associativismo, valorização da cultura local e, principalmente, protagonizado pelas comunidades locais, visando à apropriação por parte dessas dos benefícios advindos da atividade turística”. Em suma, as comunidades locais devam estar envolvidas no planejamento, implementação e gestão da atividade e receber uma grande parte dos benefícios.
A ideia de turismo de base comunitária na RDS Mamirauá se iniciou pouco após a publicação do Plano de Manejo, em 1996. A área definida para se realizar o turismo de base comunitária (TBC) foi o setor Mamirauá, região da RDS Mamirauá mais próxima de Tefé. O primeiro passo foram reuniões entre comunitários, pesquisadores e extensionistas, para: 1) entender o interesse dos moradores locais em realizar turismo e 2) explicar para os moradores os objetivos e esclarecer sobre os impactos positivos e negativos da atividade.
Realizada essa etapa, ficou definido que haveria uma infraestrutura básica para estudo e teste do turismo. Esse teste foi importante para que os técnicos pudessem entender qual o perfil dos clientes a ser alcançado e para que os comunitários participantes pudessem se familiarizar com o turismo e multiplicar para outras comunidades vizinhas. Os dois primeiros anos da atividade ajudaram a desmistificar o turismo para os moradores locais e, por gerar alguma renda, encorajou novas pessoas a participarem.
Após um estudo de viabilidade econômica, buscaram-se recursos para a construção da Pousada Uacari. A estrutura foi expandida, mas o número de moradores interessados em participar do turismo já era grande. Se no início apenas duas comunidades se propuseram a participar, hoje todas as 11 comunidades do setor Mamirauá atuam com o TBC, em maior ou menor grau.
Desde a concepção até a consolidação dessa tecnologia social, os comunitários foram envolvidos em todas as etapas e protagonizam o TBC, assessorado pelo Instituto Mamirauá. A gestão da atividade é realizada pela Associação de Auxiliares e Guias de Ecoturismo do Mamirauá, uma associação local que organiza o rodízio dos prestadores de serviço da Pousada Uacari, realiza o pagamento dessas pessoas, colabora em algumas capacitações de seus associados e, acima de tudo, é parte central na tomada de decisões.
O rodízio foi a forma encontrada para aumentar o número de pessoas trabalhando na Pousada Uacari e, assim, dividir os benefícios econômicos em um maior número de pessoas, sem prejudicar as atividades tradicionalmente executadas nas comunidades. Cada prestador de serviço permanece por volta de 11 dias na Pousada, retornando após algum tempo.
Outra forma de benefício econômico é a distribuição da taxa socioambiental, um benefício coletivo embutido nos custos dos turistas. Parte do pagamento do hóspede é separada em um fundo comunitário, que será dividido entre as comunidades. O objetivo desse benefício é gerar melhorias para a comunidade como um todo. O rateio é definido através das decisões de uma comissão comunitária, composta por membros de todas as comunidades, que, seguindo um conjunto de normas, pontuam cada comunidade. Aquela que obtiver uma pontuação mais alta recebe um valor maior.
Um dos pilares do TBC da Reserva Mamirauá é a conservação do meio ambiente. Visando a manutenção dos recursos ambientais da área, a Pousada Uacari colabora com a vigilância ambiental destinando uma porcentagem fixa da taxa socioambiental, para apoio dos agentes ambientais voluntários.
Assim como todas as iniciativas de desenvolvimento sustentável realizadas pelo Instituto Mamiraua a atividade de turismo foi pensada como uma alternativa que pudesse replicada em outras regiões da Amazônia e de outros biomas. Uma das ferramentas para replicar as ações da Pousada Uacari é através da assessoria direta, utilizando a expertise dos prestadores de serviço da Pousada e dos técnicos do Instituto Mamirauá. Assim, o TBC na Floresta Nacional (FLONA) de Tefé se iniciou, sua reaplicação ocorre considerando a organização coletiva e a conservação do meio ambiente como potencial para geração de renda. O TBC na FLONA de Tefé tem recebido apoio e assessoria regularmente no planejamento e gestão em turismo.
Passados 20 anos a Pousada se tornou um exemplo de TBC no Brasil, motivando a criação de outras iniciativas e promovendo intercâmbios e trocas de experiências com as já existentes. Atualmente há uma grande demanda para a disseminação da experiência da Pousada Uacari, através de produções científicas, palestras, congressos e intercâmbios. A principal ferramenta de disseminação do conhecimento adquirido são os “cursos de multiplicadores”, um momento de troca de experiências e aprendizado, em que técnicos e comunitários participam de atividades, palestras e visitas in loco no empreendimento com o intuito de replicar em seus locais de origem o que foi discutido ao longo do curso.
Recursos Necessários
A disseminação do TBC nos mostra que não há uma receita única para implementar essa tecnologia social. É preciso se levar em conta o contexto onde se está inserido, as particularidades do local e o público a ser alcançado. Falaremos nas próximas sessões da implantação de uma unidade no contexto amazônico e um tipo de cliente intermediário entre exigente e flexível.
Inicialmente é preciso conhecer o interesse das comunidades envolvidas e dialogar com os moradores sobre a atividade. Isso pode ser feito através de reuniões, oficinas e pode levar meses ou anos.
Depois é necessário conhecer o potencial turístico da área escolhida. O primeiro passo é a realização do inventário turístico, ou seja, o levantamento dos cinco elementos fundamentais do turismo: atrativos, equipamentos, serviços, infraestrutura e atividades. Isso vai ser feito em conjunto com a comunidade. Além deles é fundamental saber qual o será o público-alvo da iniciativa proposta.
Os materiais mais importantes estão relacionados à infraestrutura, equipamentos e divulgação. Para a divulgação da tecnologia social é necessário uma boa rede de comunicação externa, com telefone e, principalmente, internet. Materiais impressos são menos usados atualmente, mas podem ser úteis. A comercialização é um dos fatores-chave para que a tecnologia prospere.
O tipo e a quantidade da infraestrutura e dos equipamentos são variáveis. O mínimo necessário é um veículo para passeios e um sistema de atividades estruturado.
Considerando o TBC em comunidades amazônicas, utilizando transporte fluvial e pernoite em casas de moradores, o valor para início da unidade seria em torno de R$ 30.000,00. As pessoas poderão trabalhar, inicialmente, por diárias e a comercialização feita por agências, que receberão comissão de venda. É importante considerar uma reserva para capital de giro.
Resultados Alcançados
O turismo de base comunitária se firmou como uma atividade importante para parte dos moradores da Reserva Mamirauá, sendo uma ferramenta para mitigação da pobreza na região, através de uma atividade econômica alternativa e estável que permite que as comunidades complementem sua renda realizando uma atividade de apreciação da natureza sem o uso direto dos recursos naturais da Reserva, garantindo sua conservação para a subsistência dos moradores a médio e longo prazo.
Aproximadamente 90% das pessoas que trabalham e se beneficiam da Pousada Uacari são moradores locais, incluindo os cargos de supervisão. Desde 1998 foram gerados cerca de R$ 3.600.000,00 para 11 comunidades, através da prestação de serviços, vendas de produtos locais e divisão do benefício coletivo. Não estão contabilizados outros ganhos como artesanato (vendido diretamente ao artesão em visita à comunidade), gorjetas e serviço de lavanderia (pago diretamente à pessoa que lavou).
Considerando um intervalo de 10 anos (2008 – 2017), a média anual das famílias que participaram do TBC da Pousada Uacari foi de 4,16 salários mínimos. No município de Uarini, onde a Pousada está localizada, 47,9% da população recebe apenas, 0,5 salário mínimo per capita. Considerando que o TBC é uma alternativa econômica e a maioria das pessoas trabalha até 12 dias por mês, é possível afirmar que essa tecnologia social é muito importante para as famílias envolvidas.
O benefício coletivo possibilitou melhorias na qualidade de vida e da infraestrutura das comunidades, por meio da compra de motor de popa para embarcações, botes, caixas d’água para as casas, reforma de centro comunitários, entre outros. Os agentes ambientais também recebem uma parcela para auxílio na proteção da área.
O TBC também é uma atividade sustentável ambientalmente. Quando essa iniciativa foi pensada uma das principais ações propostas foi a criação de uma área de proteção permanente que englobaria toda a área do turismo. Foram definidas normas para o uso desta área, visando minimizar os impactos ambientais da região. Alguns exemplos são o rodízio de trilhas e número máximo de pessoas que podem utilizar cada trilha por vez.
Todos esses esforços resultaram no aumento da população de jacarés, pirarucus e outras espécies animais e vegetais na área de proteção permanente de turismo.
A Pousada se tornou um modelo para a expansão do TBC na região. Seis comunidades da FLONA de Tefé, uma comunidade da RDS Mamirauá e um acordo de pesca já iniciaram TBC.
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