Problema Solucionado
Resultado de um processo de urbanização acelerado, a pobreza urbana é uma característica marcante na sociedade brasileira. Esta pobreza pode ser observada na dificuldade de acesso aos serviços públicos, na falta de qualidade da infraestrutura, na precariedade da moradia e no limitado acesso à renda.
Mesmo quando existem investimentos públicos para diminuição desta pobreza por meio de programas sociais, estes investimentos não são suficientes ou não são efetivos se não houver do outro lado, de quem recebe esses investimentos, o entendimento sobre estas ações. A resposta a investimentos em políticas sociais em comunidades apáticas, desorganizadas e enfraquecidas são menos efetivos e pouco sustentáveis.
A metodologia de mobilização, organização e fortalecimento comunitário que a INTERAÇÃO trouxe ao Brasil é um importante instrumento de reversão do quadro acima descrito: comunidades mobilizadas, organizadas e fortes tornam mais efetivos e sustentáveis os investimentos públicos de combate à pobreza.
Descrição
A tecnologia social trazida ao Brasil pela INTERAÇÃO baseia-se na metodologia do SDI, que surgiu na Índia, em 1980, quando um grupo de mulheres indianas foi despejada de suas moradias e decidiu unir-se para transformar suas realidades. A estruturação de pensamentos e experiências deste grupo de mulheres originou a metodologia da organização constituída pelo tripé – poupança comunitária, autorrecenseamento e intercâmbio de experiências, que será detalhado a seguir.
A implementação da metodologia do SDI na América Latina foi iniciada na comunidade Portal do Campo em Osasco/São Paulo, no ano de 2005, pela INTERAÇÃO, que é constituída por um grupo multidisciplinar de profissionais atuantes na área do desenvolvimento urbano e habitacional. Esta experiência foi replicada em outras cidades paulistas, e também no estado de Pernambuco. Em 2008, o trabalho da INTERAÇÃO começou a se expandir pela América Latina, com a abertura de grupos de poupança em Oruro e Cochabamba, na Bolívia.
A METODOLOGIA
1. Autorrecenseamento
O autorrecenseamento é um censo feito pelos próprios moradores de uma comunidade. Ele inclui desde informações tradicionalmente presentes em cadastros governamentais, tais como dados demográficos e perfil socioeconômico, bem como dados que a própria comunidade escolhe incluir como, por exemplo, tempo de moradia, quando o objetivo é apoiar um processo de regularização fundiária.
O autorrecenseamento tem se mostrado bastante eficaz como ferramenta para a mobilização comunitária. A criação de laços de confiança entre os moradores de uma comunidade e a formação de conhecimento coletivo, são fundamentais para iniciativas de transformação protagonizadas por seus moradores. A comunidade tem, dessa forma, a oportunidade de reconhecer e identificar suas necessidades e estabelecer prioridades, assim como utilizar a informação obtida para se aproximar de representantes públicos e privados para diálogos mais qualificados e negociações melhor instrumentalizadas.
2. Poupança comunitária
A poupança comunitária é a pedra fundamental da estratégia de organização do SDI e constitui um fundo formado e mantido por moradores de comunidades de baixa renda, organizados em grupos de poupança.
Cada grupo de poupança tem um número variável de poupadores e conta com três tesoureiros da comunidade. Os membros dos grupos se encontram periodicamente, mas não há valores pré-estipulados ou frequência mandatória para poupar, variando de grupo para grupo. Esses grupos são baseados primordialmente em relações de confiança, fomentando o fortalecimento e a criação de novos vínculos entre moradores.
Em verdade, a coleta supera a questão financeira. Com a organização proveniente dos grupos, os poupadores passam a antecipar dificuldades e oportunidades bem como discutir questões de gastos e gestão de recursos, que frequentemente evoluem para assuntos como planejamento, estratégias de atuação e negociações com o poder público, assim como possíveis parceiros. A poupança é um instrumento de fortalecimento que possibilita aos poupadores negociarem e lutarem por suas demandas.
3. Intercâmbio
O melhor veículo de disseminação das metodologias e práticas do SDI é o intercâmbio de comunidades, gerando troca de informações, experiências e técnicas diretamente entre moradores de assentamentos de baixa renda. O intercâmbio pode ocorrer dentro de uma cidade, entre cidades ou mesmo entre países.
A ideia básica do intercâmbio é fortalecer o conhecimento do próprio ambiente para os membros das comunidades. Ao transmitir seus conhecimentos e experiências fora de suas comunidades as pessoas veem sua própria realidade com um outro olhar e ampliam a compreensão sobre sua própria situação.
O intercâmbio também proporciona o reconhecimento da existência de desafios comuns entre assentamentos de baixa renda nacional e internacionalmente e a busca de soluções coletivas, além de possibilitar a formação de uma rede de ação, que tem um alto poder de fortalecimento das iniciativas particulares de cada comunidade.
Recursos Necessários
1. Recurso para comunicação: telefone celular, internet, computador, impressos;
2. Recurso para locomoção de profissionais para as comunidades e de moradores de uma comunidade para outra comunidade;
3. Espaço físico: não é necessário montar um escritório de início, a sede em São Paulo pode servir de suporte. Conforme o trabalho vai se expandindo, pode ser necessária a contratação de outros profissionais e a estruturação de um espaço físico.
Custos
a) Autorrecenseamento: o custo depende do tamanho da comunidade, mas basicamente envolve:
- materiais para coleta de dados: fichas, pranchetas, canetas, camisetas, sacolas;
- criação do banco de dados;
- alimentação do banco de dados: digitação dos cadastros;
- ajuda de custo (alimentação) para as pessoas das comunidades que participarem do processo.
b) Poupança: os custos são iniciais apenas para confecção das cadernetas do poupador e para o livro de controle dos tesoureiros.
c) Intercâmbios: varia, geralmente os recursos necessários são:
- passagem;
- hospedagem;
- alimentação;
- transporte.
Resultados Alcançados
A metodologia recebeu o prêmio da FBB em 2011, quando já vinha sendo replicada pela INTERAÇÃO no Brasil, desde o início de sua atuação em 2005, em várias de comunidades, mobilizando centenas de moradores. Entre os casos onde os moradores tiveram maior transformação em seus contextos, podemos destacar as comunidades dos Portais, em Osasco/SP, e a Ilha de Deus, em Recife/PE, que deixaram de ser assentamentos precários autoconstruídos, irregulares e insalubres para dar lugar a conjuntos habitacionais estruturados e com acesso a infraestrutura e serviços públicos de qualidade.
Essas transformações radicais na estrutura habitacional e na qualidade de vida foram viabilizadas com investimentos públicos somente após os moradores desses locais aderirem a metodologia e conquistarem, assim como tantas outras comunidades apoiadas pela INTERAÇÃO, os principais resultados almejados, tais como:
• a organização entre os moradores com o intuito de identificar e solucionar as demandas da comunidade;
• formação de lideranças;
• estreitamento dos laços de confiança entre os moradores;
• aumento do conhecimento dos moradores em relação as questões comunitárias e o contexto na qual está inserida;
• e, por fim, a oportunidade se aproximar do poder público com conhecimento e representatividade suficiente para participar da elaboração das estratégias do planejamento urbano local e influenciar na criação de políticas públicas que atendam necessidades locais.
Em 2014, após ser premiada e ingressar no BTS, a TS “Transformando Realidades por meio da Mobilização e Organização Comunitária” foi selecionada para participar, com uma adaptação metodológica, do Projeto Moradia Urbana com Tecnologia Social (MUTS) promovido pela FBB com a finalidade de fomentar a mobilização, organização e autonomia comunitária, o aprimoramento das relações sociais e a promoção da cidadania em empreendimentos habitacionais destinados a famílias de baixa renda.
O Projeto MUTS, até sua terceira fase iniciada em 2019, teve a TS “Transformando Realidades por meio da Mobilização e Organização Comunitária” reaplicada, com capacitação prévia da INTERAÇÃO e respectivo acompanhamento técnico, por 40 entidades civis em mais de 70 comunidades, o que corresponde a aproximadamente 41 mil famílias. Em todas as comunidades, foram promovidas atividades como a articulação local, o autorrecenseamento, assembleias com moradores e reuniões periódicas com representantes da Prefeitura e Banco do Brasil para discussão das demandas comunitárias identificadas.
À parte do Projeto MUTS, a INTERAÇÃO continua aplicando a metodologia em outras comunidades, sendo que, atualmente, a metodologia permanece mobilizando cerca de 650 pessoas em 20 grupos de poupança comunitária em três cidades: Osasco/SP, Várzea Paulista/SP e Recife/PE. Autorrecenseamentos foram realizados em 10 comunidades, contemplando uma população de aproximadamente 4.500 famílias – com informações diversas sobre o tamanho, renda e gastos familiares, assim como sobre as condições do domicílio – tendo sido fornecidas às respectivas prefeituras e incorporadas como dados oficiais para regularização fundiária e projetos habitacionais.
Com o apoio do SDI, líderes comunitários brasileiros vinculados à organização participaram, até 2019, de intercâmbios internacionais que levaram suas experiências de trabalho comunitário e trouxeram conhecimento sobre seus pares em 19 países, como: África do Sul, Zimbábue, Namíbia, Tanzânia, Peru, México, Chile, Índia, Venezuela e Haiti, e trazendo a experiência destes países ao Brasil.
Além dos resultados ligados diretamente aos 3 eixos da metodologia, é importante ressaltar que a tecnologia social em questão contribuiu para a formação de grupos organizados em 12 comunidades, que conhecem com detalhes suas áreas, seus moradores, suas necessidades e prioridades, e que estão preparados para construir um diálogo de qualidade, com vistas a desenvolver uma parceria de longo prazo, com os governos locais e federais. A relação próxima e qualificada com o poder público torna-se assim interessante para ambas as partes, já que os moradores contribuem para que as ações governamentais sejam mais efetivas, enquanto o governo age para melhorar sua qualidade de vida e moradia, e garantir seus direitos de cidadão.
Como resultado do trabalho de organização comunitária e da criação de um diálogo qualificado com o poder público local e federal, as comunidades que trabalham com a metodologia do SDI podem citar, entre outras conquistas, as obras de infraestrutura e regularização fundiária em Vila Real, Várzea Paulista/SP.
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