Problema Solucionado
Em Mato Grosso, a maioria das associações ou cooperativas de pessoas de baixa renda estão inativas e/ou com documentação irregular e são impedidas de terem acesso às políticas públicas. Na região da Baixada Cuiabana, não há tradição em associativismo e cooperativismo. Muitas iniciativas governamentais ou de entidades de apoio tais como universidades e ONGs, embora tenham disponibilizado recursos e/ou estruturas físicas para cooperativas ou associações nessa região, não tiveram sucesso. Problemas causados pela falta de acesso às soluções tecnológicas, pela falta de uma cultura informativa em gestão empresarial por parte dos cooperados, envolvendo aspectos de planejamento e pela falta de controle de gastos nas atividades realizadas pelas cooperativas impediam o funcionamento das mesmas. As soluções desses problemas dependem geralmente do investimento de altos recursos financeiros e da participação de profissionais de diversas áreas, que geralmente são acessíveis apenas às grandes empresas. Faltava um mecanismo eficaz para a incorporação de aspectos culturais e operacionais em pesquisas realizadas nas universidades que conquistasse a confiança das comunidades beneficiárias.
Descrição
Concepção da ideia: Como professores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), entre 1996 e 1998, desenvolvemos pesquisas de desidratação de frutas em um secador com chaminé em ziguezague construído no quintal de nossa residência. As pesquisas foram realizadas com a ajuda de pessoas de baixa renda e baixa escolaridade que moravam na vizinhança de nossa residência. A convivência com essas pessoas em situação de falta trabalho, possibilitou a identificação de inúmeras dificuldades, muitas vezes consideradas na academia como insignificantes, mas que para elas são grandes obstáculos para o desenvolvimento de seus trabalhos e para que possam assimilar os resultados de pesquisas na universidade voltadas para a solução de problemas de geração de renda. Iniciamos no final de 1999 testes de desidratação de manga juntamente com essas pessoas e pescadores da COORIMBATÁ, fundada em 1997 e que já estava desativada principalmente pelo fato dos pescadores terem dificuldades semelhantes àquelas das pessoas de baixa renda. As relações de confiança estabelecidas com os pescadores cooperados durante os testes de desidratação de manga motivaram a realização, no início do ano 2000, de uma assembleia extraordinária que alterou o estatuto da Cooperativa, inserindo a pesquisa científica como um dos objetivos da COORIMBATÁ. Isso propiciou a associação de alguns professores da UFMT à COORIMBATÁ , como - “Pesquisadores Cooperados”. Esta inovadora forma de organização criou espaços comuns de trabalho nos quais acadêmicos, pessoas de comunidades tradicionais, pescadores e artesãos da zona urbana, se integraram voluntariamente no mesmo negócio, tornando as situações de trabalho ainda mais complexas e promovendo um desconforto intelectual que favoreceu um processo de “autoincubação” de todos os envolvidos.
Com a integração voluntária de acadêmicos e pessoas de comunidades tradicionais em um mesmo negócio (no caso da COORIMBATÁ) cada uma dessas pessoas, de diferentes categorias, se impôs a necessidade de enquadrar a sua atividade de modo a tirar o melhor partido da experiência de cada um, por menor que ela fosse. Houve situações nas quais os pesquisadores cooperados efetuaram empréstimos pessoais para solucionar pendências financeiras da Cooperativa para que ela estivesse apta documentalmente para acessar recursos e participar em editais que garantiram a estruturação dos setores produtivos da COORIMBATÁ. O reembolso desse empréstimo deverá ser efetuado aos poucos, à medida que os setores produtivos passerem a funcionar dentro de seu ponto de equilíbrio. Assim, foi feita a captação de recursos de projetos de extensão e de pesquisa para a UFMT, projetos em rede executados pela ARCA Multincubadora e de recursos financeiros aplicados diretamente nas atividades produtivas da COORIMBATÁ e de outros empreendimentos econômicos solidários que se associaram à Cooperativa numa atuação em rede.
Os Pesquisadores Cooperados passaram a ser indicados pela COORIMBATÁ como representantes da cooperativa em diversos coletivos como fóruns e conselhos, não somente por vivenciarem conjuntamente os problemas do empreendimento, como também pelas suas condições de mobilidade, disponibilidade de tempo e para propiciar aos demais cooperados a atuação direta e continua em atividades de geração de renda da cooperativa. As oportunidades e os encaminhamentos das reuniões desses coletivos são discutidos e repassados aos cooperados em reuniões mensais do conselho de administração da Cooperativa, aberta a participação de todos os cooperados.
Aplicação na prática: A reaplicação deve ser efetuada em quatro etapas que podem ser realizadas de modo simultâneo, dependendo da região: 1) Informação – o pesquisador interessado na reaplicação desta Tecnologia Social deve buscar informações detalhadas dos resultados já alcançados, em artigos, vídeos e/ou reportagens e contatos com seus idealizadores e com outras entidades que já reaplicaram a Tecnologia Social, assim como se certificarem se há em sua região, entidades que possam ser parceiras na reaplicação; 2) Apoio a quem já está trabalhando – o interessado na reaplicação deve ter perfil para a atuação como Pesquisador Cooperado. Sugerimos a participação, de modo voluntário, em fóruns ou conferências que tratem de inclusão social ou de desenvolvimento local para identificar empreendimento econômico solidário em sua região que tenha algum trabalho em desenvolvimento, com foco na geração de renda. Normalmente, os empreendimentos que participam desses espaços coletivos já têm um nível diferenciado de articulação; 3) Ação com foco no fortalecimento da atividade produtiva – iniciar o apoio de atividades produtivas do empreendimento escolhido, independente de estar com as condições ideais. É importante manter o foco no desenvolvimento do empreendimento e não na atividade acadêmica do pesquisador; 4) Formalização – é importante formalizar a forma como o Pesquisador Cooperado irá atuar junto ao empreendimento.
Recursos Necessários
Para implantação do Pesquisador Cooperado é necessário uma mudança de postura do professor universitário para atuar, de modo proativo, em apoio a alguma atividade produtiva de um empreendimento econômico solidário. Em 2000, quando foi formalizado na COORIMBATÁ, não houve apoios financeiros externos. Já havia um secador de frutas construído com recursos de um projeto de pesquisa. Os custos iniciais dos testes de desidratação de manga foram custeados pelos próprios pesquisadores, com recursos próprios, assim como os custos de registro do Estatuto na Junta Comercial. Essa atitude é importante para que fique evidente para a comunidade onde o empreendimento está inserido, que realmente há uma intenção do pesquisador participar como cooperado do empreendimento. Entre 2001 e 2005, como projeto de extensão, foi previsto carga horária de 20h semanais para dois professores atuarem como pesquisadores cooperados. Na implementação do projeto, cada pesquisador cooperado gastou em torno de 10% de seu rendimento mensal, para atender demandas emergenciais não atendidas, na época, pelos projetos de extensão, como forma de estabelecer as relações de confiança necessárias para o seu acolhimento como associado no empreendimento. Houve também a participação de um engenheiro de alimentos bolsista do CNPq que atuou nos projetos como Gestor em Tecnologia Social e que posteriormente, se filiou também como pesquisador cooperado à COORIMBATÁ.
Resultados Alcançados
1) COORIMBATÁ foi reconhecida em 2006 como empresa âncora do DRS 3295 Criação de Peixes Nativos do Banco do Brasil (DRS COORIMBATÁ); 2) aprovação e execução pela COORIMBATÁ de 8 projetos, por meio de editais para apoio direto a unidades de produção e de processamento em associações e cooperativas de pescadores artesanais, quilombolas e agricultores familiares entre 2005 e 2017, atendendo diretamente em torno de 200 famílias; 3) criação da ARCA Multincubadora, uma incubadora de empreendimentos econômicos solidários que atua em parceria com a UFMT; 4) participação na coordenação de projetos da UFMT que apoiam processos produtivos, de gestão e de comercialização de 63 associações ou cooperativas de pescadores, povos e comunidades tradicionais, quilombolas, catadores de materiais recicláveis, agricultores familiares, etc. em Mato Grosso; 5) participação ativa na constituição e na coordenação do Fórum Territorial de Segurança Alimentar e Nutricional da Baixada Cuiabana (FTSAN-BC), desde abril de 2013. Este Fórum tem atuação determinante para a execução das ações e de projetos do Território da Cidadania da Baixada Cuiabana e do DRS; 6) implantação, na UFMT, da Tecnologia Social “Sistema Integrado de Inovação Tecnológica e Social”, finalista nacional do Prêmio FBB de Tecnologia Social 2013; 7) elaboração de 3 projetos aprovados para outras cooperativas ou associação de agricultores familiares e de quilombolas, parceiras do DRS COORIMBATÁ, que viabilizaram recursos para aquisição de veículos e de equipamentos para unidade de processamento de cana de açúcar e de peixes; 8) a partir de 2011, outras cooperativas e associações de agricultores familiares, quilombolas e de assentados da reforma agrária formalizaram suas filiações à COORIMBATÁ, que hoje conta com 236 associados em sua DAP Jurídica, numa atuação em rede. Desta forma houve a reaplicação da Tecnologia Social Pesquisador Cooperado para atuação direta junto à estas associações ou cooperativas; 9) Em 2017 a COORIMBATÁ está atendendo as escolas estaduais e municipais dos municípios de Cuiabá e de Várzea Grande, numa atuação em rede com cooperativas e associações de 14 municípios da Baixada Cuiabana. Os contratos de fornecimento de hortifrutis, peixe, farinha de mandioca e outros produtos da agricultura familiar somam em torno de R$8.000.000,00. A logística de distribuição desses produtos é feita em parceria com a Cooperativa Central da Agricultura Familiar da Baixada Cuiabana.
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