Objetivo
A metodologia utilizada na assessoria sociotécnica da resistência pelo grupo Periférico tem como objetivo auxiliar a luta pela regularização fundiária de interesse social (Reurb-S) em ocupações informais no Distrito Federal. Foi aplicada em três ocupações, Dorothy Stang, Imã Dulce e Santa Luzia, com participação da comunidade e com base nos padrões espaciais, de acontecimentos e de ecossistemas urbanos.
Problema Solucionado
O planejamento urbano de zoneamentos, no Brasil, se distanciou dos estudos da forma urbana; trabalha com diretrizes gerais, não “toca o chão” e não valoriza a heterogeneidade espacial da escala mais refinada. Isso tem dificultado a interface com a abordagem ecológica científica do urbanismo, como estudos sobre ecologia urbana ou ecologia da cidade (ANDRADE, 2014).
Ao estudar as vocações dos assentamentos informais, observamos que padrões orgânicos existentes nessas áreas auto-organizadas, como as favelas (ou cidades orgânicas antigas), parecem responder melhor à lógica inerente do tecido vivo do que áreas comumente projetadas para habitação de interesse social. A argumentação é de que áreas de habitação social construídas frequentemente pelos governos falham em incorporar dinâmicas socioespaciais da vida comunitária e necessárias à sobrevivência das relações de solidariedade entre os grupos e geradoras da desejada complexidade organizada (SALINGAROS, 2010).
A procura por assessoria sociotécnica no grupo Periférico vem de uma demanda de áreas de ocupações informais que necessitam de um projeto de urbanismo para se tornarem passíveis de regularização, tais projetos de urbanismo não são foco dos técnicos de governo que implicam no compromisso do governo em atender a demanda habitacional existente.
Descrição
As cidades brasileiras estão em permanente estado de crise, é imperativo pensar na “emergência” de soluções democráticas participativas no nível local dos bairros e das comunidades. O processo participativo no planejamento permite reforçar que os cidadãos se reconheçam em seu bairro e em sua cidade. A realidade da localidade, conforme entendida pelos membros da própria comunidade, pode ser bastante distinta daquela idealizada nos ambientes acadêmico e profissional da Arquitetura e Urbanismo.
Na visão de Paulo Freire as cidades ensinam as gerações mais novas, é necessário restaurar e inventar de novo o poder local, criar possibilidades diferentes que tornem possível a experiência da solidariedade para criar cidades educadoras, bairros educadores. Todos os membros da comunidade se tornam educadores, artistas, pintores, cantores, artesãos, na medida em que todos contam histórias de como sobreviver com solidariedade. Afinal, “a cidade somos nós, nós somos a cidade” (FREIRE, 1993, p.23).
A metodologia aplicada no processo projetual para o urbanismo participativo é direcionada para que as pessoas do lugar se reconheçam como pertencentes de sua comunidade e para que os técnicos se aproximem do modo como a realidade do lugar é compreendida pelos membros da comunidade. Considerando o conceito de adequação sociotécnica – AST no qual os sujeitos do conhecimento científico compartilham seus códigos técnicos com os sujeitos sociais organizados, e identifica os códigos dos sujeitos sociotécninos gerando o conceito de “interacionismo pedagógico e sociotécnico”.
A proposta do grupo Periférico é resgatar contribuições do urbanismo de tradições orgânicas e participativas do urbanismo, baseado na auto-organização de baixo para cima (botton up), as políticas de moradia popular, as novas políticas baseadas e nos transportes públicos, os edifícios públicos pensados para o aprendizado, o sociabilizar, a comunicação e expressão das pessoas, os espaços ecológicos drenantes com o desenho urbano sensível à água e o ecosaneamento, os eixos, os espaços de pedestres e ciclovias que fomentem a diversidade e as relações intersubjetivas. Tem como meta alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, principalmente o ODS 11 Cidades e Comunidades Sustentáveis no nível do bairro ou dos assentamentos e o ODS 6 na luta pelo direito à água e ao saneamento reforçando a importância do uso de tecnologias sociais.
O processo de projeto é construído partindo-se das demandas e vocações levantadas e análise do problema (identidade local, saberes existentes, padrões espaciais e de acontecimentos de acordo com as dimensões da sustentabilidade (social, cultural e emocional, econômica e ambiental),
A metodologia de análise das dimensões da sustentabilidade desenvolvida por Andrade e Lemos (2015) integra contribuições da Legislação Urbana e Ambiental bem como princípios e critérios das Certificações Ambientais que facilitam as análises recomendadas pela Lei 13.465/17, art. 35, inciso IV para o desenvolvimento do plano de regularização fundiária, o Reurb-S. As quatro dimensões da sustentabilidade urbana compreendem 17 princípios, 41 critérios, 92 indicadores, subdivididos em: ambiental (infraestrutura verde e conforto ambiental), social (urbanidade e mobilidade), econômica (adensamento e dinâmica urbana) e cultural e afetiva (legibilidade, identificabilidade, afetividade).
Após esta análise sistematiza-se os padrões para estabelecer uma linguagem com a comunidade, aumentando a sua participação no processo, na forma de “códigos geradores” de soluções para o processo de desenvolvimento dos projetos baseados em Alexander et al (1977) e nos padrões dos ecossistemas urbanos de Andrade (2014).
Neste contexto, a metodologia de processo de projeto de urbanismo participativo do grupo Periférico para promover comunidades sustentáveis compreende 5 etapas que são inter-relacionadas:
(1) Aproximação e envolvimento inicial por meio eventos, caminhadas coletivas, questionários, entrevistas. Paralelamente, os técnicos iniciam a análise do contexto físico e social com envolvimento da população local de acordo com as dimensões da sustentabilidade. Analisa-se também a dimensão política, em que situação fundiária se encontra a ocupação urbana, conflitos, dinâmicas e atores envolvidos bem como as potencialidades e vocações locais.
(2) Táticas Urbanas e agenciamento de atores. Ação interativa no espaço para estimular a conexão entre as pessoas o lugar como, arte urbana, grafites, caminhadas com a comunidade, concurso fotográfico, concurso de design ou poesias, ou construção de mobiliário urbano.
(3) Elaboração de “Design Interativo”. Desenvolvimento da “linguagem de padrões” ou “códigos geradores” que podem ser sistematizados a partir dos problemas e soluções apontados pela comunidade e pela análise do contexto local, vinculados às atividades humanas à cultura e à tradição relacionados aos elementos físicos do espaço, que são inter-relacionados, seja a estrutura de uma cidade ou do edifício. Elabora-se oficinas de participação, mapas mentais e mapas afetivos. Em seguida, elabora-se padrões espaciais e de acontecimentos e aplica-se o Jogo dos “padrões” com a dinâmica de Café Mundial ou Comunitário no formato de cartas de baralhos para que os membros da comunidade possam inseri-los na imagem aérea do local de acordo com temas.
(4) Apresentação de fotos, imagens de boas práticas e construção de cenários. Apresentação de repertório fotográfico com ilustrações de soluções em lugares semelhantes ou apontadas pela comunidade possíveis soluções e desenho à mão livre. Construção de cenários com propostas alternativas do estudo preliminar para tomada de decisão
(5) Apresentação do produto intermediário à comunidade antes de ser finalizado o produto no formato de caderno/relatório.
Recursos Necessários
Em termos de pessoal, precisa-se de 3 pessoas com domínio da tecnologia social com experiência em projeto de urbanismo e prática aplicada diante das referidas etapas do processo e projeto participativo (envolvimento com a comunidade, diagnóstico participativo, análise da sustentabilidade urbana, táticas urbanas, design interativo com sistematização dos padrões e construção de cenários), a fim de permitir que aqueles que não a conhecem tomem conhecimento e sejam capacitados para utilizá-la. O recomendável é 1 ano no território, mas não é necessário que as três pessoas atuem ao mesmo tempo.
É necessário ter mais 5 estudantes da graduação em Arquitetura e Urbanismo que possam atuar no desenvolvimento da tecnologia, tanto nas dinâmicas com a comunidade quanto no desenvolvimento dos desenhos por pelo menos 1 ano de trabalho. Para validar a tecnologia social, recomenda-se pelo menos 10 agentes comunitários para atuar nas oficinas. Além desses, é importante contar com arquiteto e uma pessoa para suporte técnico no uso de tecnologias da informação e operação de equipamentos específicos.
Os recursos materiais necessários para a implantação da tecnologia social como equipamentos vão desde pen drives, um computador, um data show, uma tela de projeção para apresentar trabalhar as oficinas e apresentar exemplos de casos anteriores, expondo-os ao grupo envolvido. É necessário recurso para disponibilizar um local físico em que as atividades possam ser desenvolvidas. Outros materiais de papelaria (cartuchos de tinta para impressora, papéis para desenhos e escrita, lápis, canetas, borrachas, plotagem de impressões em grandes formatos (pranchas nos padrões A0 ou A1) e afins para as atividades e dinâmicas. Os custos de manutenção da instituição não foram considerados na questão dos recursos materiais necessários.
Resultados Alcançados
Os resultados dos trabalhos de urbanismo participativo e habitação social oriundos da metodologia desenvolvida pelo grupo Periférico na integração Ensino, Pesquisa e Extensão, que incluem estudantes, professores e pesquisadores, tem se tornado instrumento de luta e reivindicação junto à Defensoria Pública do Distrito Federal, ao Ministério Público do DF e Territórios, ao Instituto Brasília Ambiental – IBRAM, à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação - SEDUH e à Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (CODHAB/DF), com grande relevância para a comunidade na luta pelo direito à cidade, à moradia, ao saneamento e à água. A metodologia do Periférico foi aplicada em três ocupações informais do DF, Dorothy Stang, Irmã Dulce e Chácara Santa Luzia.
No evento do III Fórum do Núcleo DF Metropolitano do BrCidades, na Live 5 ”Direito à moradia, direito à cidade, ATHIS e Regularização Fundiária” em fevereiro de 2021 (https://www.youtube.com/watch?v=gHBgeiiSVxs ) na fala da liderança Rita de Cassia da Ocupação Doroty Stang, constatamos a importância do trabalho que foi realizado pela universidade no processo de regularização fundiária, “a parceria da UNB com a comunidade e o governo é importantíssima porque esse projeto é o que nos atende, foi feito por nós(...). A universidade não chega nos assentamentos dizendo como que tem que ser(...)”.
O “Design Interativo sistematizado em códigos geradores de processo de projeto são muito importante para trocas e compreensão do espaço urbano. A experiência no território da Ocupação Dorothy Stang entre 2017 e 2020 no processo de projeto de urbanismo e das habitações (disciplina optativa e TCC) contribuiu para que o Dorothy fosse incluído no PLC do PDOT (SEDUH - PLC da Reurb, 17-11-2020). Participamos de uma cerimônia organizada pela comunidade para entrega simbólica do projeto ao Secretário de Desenvolvimento Urbano do DF, bem como da audiência pública da SEDUH.
Na Ocupação Dulce, criada em 2017, a estudante Giulia Gheno desenvolveu o trabalho “Permacultura Urbana e Habitação Social” aplicando a metodologia, questões do direito à cidade e da regularização fundiária se fundamentaram na Permacultura, que permitiu a inserção de padrões das dimensões da sustentabilidade e da infraestrutura no processo participativo. Este trabalho foi premiado em segundo lugar no Prêmio TCC Projetar.org e a comunidade utiliza como ferramenta de luta, aguardando a ocupação completar 5 anos para reivindicar a regularização fundiária.
O resultado da somatória dos trabalhos do projeto “Santa Luzia Resiste” (Prêmio Projeto de Extensão Anparq 2020) com a aplicação da metodologia foi apresentado no dia no dia 05 de dezembro de 2019 na Audiência Pública da Câmara Legislativa do DF “Chácara Santa Luzia” e no Seminário “Comunidade de Santa Luzia - 16/11/2020” junto às Frentes Parlamentares da CLDF e à Defensoria Pública do DF.
Público atendido
Mulheres
Jovens
Lideranças comunitarias
Crianças
Desempregados
Tecnologias Sociais Semelhantes
Adolescentes Protagonistas
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Resgatando Gerações: Medidas Socioeducativas Aos Adolescentes Infratores