Problema Solucionado
São muitas as dificuldades enfrentadas pelas comunidades do campo para manterem suas famílias nas propriedades rurais. Estas dificuldades são ainda maiores quando se faz a opção pela agroecologia em um contexto onde a degradação avança. No bioma Pampa não é diferente. Em 2008 restavam apenas 36% da área com cobertura original. Na fronteira oeste do Rio Grande do Sul existem - entre grandes propriedades de terra com gado, soja, eucalipto ou arroz - comunidades de pecuaristas familiares, comunidades quilombolas e assentamentos da reforma agrária. No município de Manoel Viana, a cerca de 450 km de Porto Alegre, está localizado o segundo maior assentamento de reforma agrária do estado, com 6.134 hectares e 225 famílias. Apesar de iniciativas de produção agroecológica de arroz, de um laticínio e de iniciativas de diversificação da produção, há um desânimo entre as famílias resultante de vários fatores: dificuldade de acesso, de logística e de mercado para comercialização; envelhecimento da população rural e saída de jovens comprometendo a sucessão familiar; resistência em adotar a agroecologia, mantendo um modelo convencional de produção em seus lotes, com alto custo de produção.
Descrição
A agroecologia é conceituada por autores como Miguel A. Altieri, Stephen R. Gliessman, e Eduardo Sevilla Guzmán, como um campo do conhecimento multidisciplinar que apresenta princípios e ferramentas que contribuem para o estudo, desenho, análise e condução de sistemas produtivos de base ecológica em uma perspectiva multidimensional. A transição de uma agricultura convencional para agroecológica requer um conjunto de conceitos, técnicas e processos participativos. A agroecologia - conforme estes autores - deve apontar para a construção de sociedades sustentáveis.
Nesse sentido, a adoção e implantação de um conjunto de Tecnologias Sociais em uma unidade produtiva contribui para a consolidação da agroecologia conforme conceituada pelos autores acima citados, sem reduzi-la a técnicas utilizadas no sistema produtivo. A compreensão da agroecologia em toda sua complexidade, nem sempre é possível, também pela falta de unidades demonstrativas.
A valorização das perspectivas e das relações familiares da família Jhan, e dos manejos e técnicas já em uso, foram o ponto de partida para a consolidação desta unidade familiar como unidade demonstrativa no assentamento de reforma agrária Santa Maria do Ibicuí, em Manoel Viana, RS. Integram a família Jhan: o senhor Lauro e a senhora Neli, o filho Gilmar (jovem) casado com Juliane (jovem) com o filho Yago (4 anos) e que vivem em 2 casas construídas de forma integrada no mesmo lote. Ainda integram a família Jhan o filho Ademar, casado com Lunalva com os filhos Sara e Wiliam, que moram em outra casa; e o filho Adelar.
As ações (diálogos, reuniões, visitas, oficinas de formação e mutirões para implementação de Tecnologias Sociais) foram possíveis por meio de ações desenvolvidas pela equipe da Fundação Luterana de Diaconia (FLD) durante a execução do Projeto Pampa (financiado pela agência alemã Pão Para o Mundo –PPM no período de 2013 a 2018) e contou com parcerias pontuais das organizações Amigos da Terra (POA-RS), CAPINA (RJ) e Diaconia (Recife-PE).
Práticas de conservação como adubação verde e uso de sementes crioulas (milho, melancia, feijão, etc) já existentes, foram incentivadas e se ampliou o número de variedades crioulas de algumas espécies a partir da participação da família em Festas de Sementes Crioulas. Prática de compostagem já existente foram incentivadas e incrementadas com o uso de pó de rocha, de biofertilizantes caseiros (feitos em tonel), do uso de urina de vaca fermentada, e de repelentes naturais como repelente a base de cebola. Foram implantados quebra ventos e faixas de cultivo diversificadas com cana de açúcar, e capins de porte alto, mudas de árvores e amendoim forrageiro, por exemplo. O uso de tração animal já existente foi incentivado e foi adquirido um "biopulverizador" para a aplicação de biofertilizante e tratamentos naturais nos cultivos anuais e nas forrageiras. O gado de leite, criado em pastagem em processo de degradação devido a presença significativa do capim annoni, passou a ser manejado em piquetes com cerca elétrica, de forma rotativa e o campo passou a receber pulverizações periódicas de biofertilizante, visando fortalecer o campo nativo. Foi construído um biodigestor que passou a fornecer grande quantidade de biofertilizante, de gás que abastece 3 casas desta família, além de absorver parte dos resíduos de esterco gerados no local da ordenha. Foi construída uma cisterna de placas de 16 mil litros para segurança hídrica, especialmente quando falta luz para bombear água do poço artesiano (o que é bastante comum na região), e para épocas de estiagem. Foi construída uma fossa ecológica para evitar que os dejetos das águas residuais (águas sanitárias e águas cinzas) contaminem o solo e a água do açude, localizado próximo da casa da família.
A unidade produtiva da família Jhan vem sendo referência na região, como exemplo de unidade familiar produtiva e sustentável, com um bom nível de segurança alimentar e nutricional alcançado por meio de uma agricultura sustentável. A família têm recebido visitantes em dias de intercâmbio realizados no lote. Foram 2 intercâmbios em 2018, com participação de dezenas de agricultoras e agricultores de comunidades rurais e assentamentos de municípios vizinhos. Também tem recebido estudantes da Escola Estadual de Ensino Fundamental Paulo Freire (escola do assentamento), visitas esporádicas de vizinhos e demais interessadas/os em conhecer estas iniciativas.
Recursos Necessários
A transição de uma agricultura convencional para agroecológica requer um conjunto de conceitos, técnicas e processos participativos. Nesse sentido, a adoção e implantação de um conjunto de Tecnologias Sociais em uma unidade produtiva contribui para a consolidação da agroecologia, sem reduzi-la a técnicas utilizadas no sistema produtivo. Por isso se faz necessário a replicabilidade de iniciativas como a da família Jhan.
Mais do que infraestrutura, para que se construa um sistema agroecológico, é preciso que as pessoas envolvidas estejam convencidas e dispostas a realizar as interações com o meio ambiente e a sociedade de uma forma diferente, sustentável.
É necessário a adoção de um conjunto de tecnologias adaptadas, insumos naturais, técnicas, que se retroalimentem e juntas irão criar as condições para um sistema agroecológico.
Para além disso, é preciso sensibilizar a sociedade para que entenda as diferenças entre um sistema produtivo convencional baseado em monocultivos e em um pacote tecnológico de base agroquímica, e um sistema agroecológico de produção, que considera os conhecimentos tradicionais, a relação com o meio ambiente, o patrimônio genético, o uso de tecnologias adaptadas, a valorização da mão-de-obra familiar, o vínculo intergeracional, bem como a reciprocidade nas relações comunitárias e nos trabalhos associativos.
Resultados Alcançados
A potencialização das boas iniciativas já realizadas pela família Jhan e a implantação de Tecnologias Sociais integradas, tornaram essa unidade produtiva familiar uma referencia em agroecologia na comunidade e região. Alguns resultados são relatados pela família em visitas de acompanhamento e para os visitantes em dias de intercâmbios. Em setembro de 2017 durante a realização de um curso ministrado pela Cooperação e Apoio a Projetos de Inspiração Alternativa - CAPINA (RJ), no município de Alegrete, os jovens Ademar e Lunalva apresentaram as iniciativas da família Jhan e alguns resultados ficaram perceptíveis. O estudo de viabilidade econômica das atividades desenvolvidas pela família apontou que, antes de eles conhecerem a tecnologia do biofertilizante e o pó de rocha, compravam por ano 4 toneladas de adubo químico NPK para adubação das pastagens e cultivo do milho, gastando com isso uma média de R$ 6.000,00 ao ano. "Era uma conta que não terminava nunca, quando a gente acabava de pagar uma carga de adubo já tinha que comprar outra, agora com o biofertilizante não gastamos mais com adubo", relata a jovem Juliane.
Outro resultado observado pela família é em relação as pastagens cultivadas (aveia no inverno). Antes de usarem o biofertilizante, plantavam a aveia em março e, em final de junho tinham que plantar novamente na mesma área, porque a pastagem dava 2 ou 3 pastejos no máximo! Com o uso do biofertilizante e a urina de vaca fermentada a pastagem plantada em março, dura até setembro, porque o biofertilizante deixa as plantas mais nutridas e mais equilibradas, consequentemente diminui os custos de produção.
Com o uso do cultivo em faixas (uso da tecnologia de quebra vento), a família hoje sofre menos com a deriva de agrotóxicos usado nas lavouras dos vizinhos também assentados mas que praticam agricultura convencional baseada em agroquímicos. Conseguem agora produzir pequenos cultivos de subsistência como hortaliças, batata doce, mandioca, feijão, fava, entre outros alimentos que já estavam se tornando quase impossível de se produzir devido as derivas de agrotóxicos.
O biodigestor, além de potencializar a produção de biofertilizante para uso nos diversos cultivos, produz gás que abastece 3 fogões! Isso representa uma economia de R$ 240,00 ao mês se considerarmos o gasto de um botijão de gás por família ao mês.
A produção agroecológica possibilita a segurança alimentar e nutricional da família, baseada no uso sustentável dos recursos naturais.
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