Objetivo
Analisar como os fluxos econômico-ecológicos se estruturam e se integram na realidade dos territórios em que estão inseridos.
Problema Solucionado
As contundentes evidências empíricas do fracasso dos modelos produtivistas, que transplantaram o enfoque técnico-econômico da indústria para a agricultura, colocaram o princípio da sustentabilidade na agenda dos debates acadêmicos, dos movimentos sociais e das políticas públicas. Emergiram desses debates duas questões polarizadoras: de um lado, o papel e o lugar da produção de base familiar na reconfiguração dos padrões de ocupação e
gestão dos espaços agrários; de outro, a Agroecologia como enfoque científico-tecnológico para a reconexão da agricultura nas dinâmicas dos ecossistemas e para a reorganização de sistemas agroalimentares capazes de responder às aspirações atuais e demandas futuras da população por alimentos suficientes em qualidade e diversidade. Porém, em que pese o crescente reconhecimento social e político-institucional da agricultura familiar e da Agroecologia, manifesta-se ainda uma carência de ferramentas de análise que permitam dar conta das racionalidades econômicas e ecológicas que subentendem a superioridade dos agroecossistemas de gestão familiar sobre as lógicas empresariais que fundamentam o capitalismo agrário.
Descrição
O Lume foi concebido como um método de produção coletiva de conhecimentos que busca a ativa participação dos membros dos Núcleos Sociais de Gestão dos Agroecossistemas (NSGA) e de outros atores coletivos do território em processos de levantamento e processamento de informações e dados pertinentes. Ele se propõe a situar o agroecossistema no tempo e no espaço, ao descrever e analisar a sua trajetória evolutiva em relação ao contexto territorial em que se situa.
O levantamento de informações a campo é realizado por meio de entrevistas semiestruturadas orientadas por um guia de questões e um conjunto articulado de instrumentos de apoio ao registro e à análise das informações e dados coletados que buscam explorar um conjunto de campos temáticos, em etapas sucessivas de levantamento e análise de informações e dados sobre o funcionamento econômico-ecológico de agroecossistemas, permitindo que diferentes variáveis sejam identificadas, qualificadas, quantificadas e analisadas de forma conjunta à luz de um marco conceitual específico.
A primeira etapa proposta pelo Lume é a entrevista semiestruturada conduzida com as famílias em duas etapas realizadas em, no mínimo, duas visitas a campo. Na primeira visita, são levantadas informações de natureza qualitativa sobre a estrutura e o funcionamento do agroecossistema, incluindo informações sobre a composição do NSGA, o acesso à terra, a trajetória do agroecossistema e os sistemas produtivos envolvidos, tanto para venda como para o autoconsumo.
As informações levantadas em campo nessa primeira etapa da entrevista são posteriormente ordenadas e analisadas com o auxílio de três instrumentos. O primeiro é uma linha do tempo para representação da trajetória do agroecossistema. O segundo é a modelização por meio da elaboração de diagramas de fluxos que identificam os sistemas e subsistemas produtivos que compõem o agroecossistema, seus mediadores de fertilidade e os suprassistemas com os quais estabelece relações para representar o funcionamento econômico-ecológico do agroecossistema através da identificação dos fluxos de (a) insumos e produtos, (b) rendas monetárias e não monetárias e (c) divisão social do trabalho por esfera de trabalho, sexo e geração. O terceiro instrumento apresenta uma planilha para análise de qualidades sistêmicas do agroecossistema, utilizando um conjunto integrado de parâmetros e índices para a análise qualitativa do agroecossistema. No enfoque proposto, as qualidades resultantes das estratégias de reprodução econômico-ecológica (ou estilos de gestão) colocadas em prática são analisadas como atributos sistêmicos de sustentabilidade. O método remete a um quadro de parâmetros para cada atributo avaliado. Cada parâmetro é definido por um conjunto de critérios associados, que funcionam como um guia para a análise dos parâmetros. Os seguintes atributos são focados no exercício analítico proposto: autonomia; responsividade; integração social do NSGA; equidade de gênero/protagonismo das mulheres; e protagonismo da juventude.
Na segunda parte da entrevista, realizada com uma ou mais visitas a campo, as análises realizadas com o auxílio dos três instrumentos são apresentadas, debatidas e aprimoradas com a participação dos diferentes membros do NSGA. Além de refinar a análise qualitativa, os fluxos econômico-ecológicos representados nos diagramas são quantificados.
Os dados correspondentes aos fluxos são depois lançados e processados em uma planilha específica, gerando um conjunto de indicadores e gráficos sobre o desempenho econômico-ecológico do agroecossistema e de seus subsistemas. Por meio desse instrumento, pode-se visualizar valores absolutos e relativos das rendas agrícolas e não agrícolas geradas, o valor agregado da produção vendida, autoconsumida, doada e/ou trocada, os custos de produção, o índice de apropriação do valor agregado, o índice de rentabilidade, o número de horas trabalhadas segundo diferentes segmentos do NSGA, entre outros. Os indicadores propostos permitem também a visualização de informações como a produtividade do trabalho e a repartição proporcional do valor agregado por esfera de ocupação econômica por gênero e geração.
As análises qualitativas e quantitativas sobre o agroecossistema poderão ser empregadas para a realização de avaliações comparativas diacrônicas ou sincrônicas. No primeiro caso, a comparação é uma atividade de monitoramento da trajetória do agroecossistema no decorrer dos anos. No segundo, a comparação se presta a contrastar o agroecossistema analisado com outros agroecossistemas.
Recursos Necessários
Para a elaboração de um estudo de caso a partir da metodologia proposta:
- No mínimo duas visitas a campo no agroecossistema estudado - meios necessários: transporte, alimentação.
- Computador com programa excel para preenchimento de planilhas.
Resultados Alcançados
A aplicação do Lume no decorrer dos anos em parceria com diferentes organizações tem dado mostras de sua versatilidade para responder a um leque variado de questões associadas à economia da agricultura familiar. Além de possibilitar contrastes entre o desempenho econômico de agroecossistemas manejados com princípios agroecológicos com o de agroecossistemas tradicionais e/ou manejados segundo os preceitos técnicos da modernização, ele tem permitido a visualização da influência das políticas públicas sobre o desenvolvimento de agroecossistemas, a caracterização da heterogeneidade da agricultura familiar em territórios rurais e a avaliação dos efeitos de programas de apoio à agricultura familiar.
Um importante exemplo de aplicação do método está publicado no livro “Olhares Agroecológicos” (ANA/AS-PTA, 2017), que traz a síntese de 17 estudos de caso elaborados em sete territórios brasileiros: Litoral Norte do Rio Grande do Sul, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Sertão do Araripe (PE), Alto Rio Pardo – Semiárido Mineiro, Sudoeste de Mato Grosso, Mesorregião Leste de Rondônia e Santarém (PA). Os estudos foram realizados entre os anos 2014 e 2016 por meio do projeto “Promovendo Agroecologia em Rede”, executado pela Articulação Nacional de Agroecologia em parceria com a FBB e o BNDES. A elaboração dos estudos resultou na sistematização de evidências dos benefícios do enfoque agroecológico na gestão técnica-econômica de agricultura familiar, aqui apreendida em suas variadas formas de organização.
Outro exemplo de aplicação do método foi a pesquisa sobre os efeitos de programas públicos executados pela Articulação Semiárido (ASA) sobre as trajetórias de desenvolvimento da agricultura familiar em dez territórios de diferentes estados abrangidos pelo semiárido brasileiro. Ao descrever e analisar as trajetórias de desenvolvimento de agroecossistemas, a pesquisa demonstrou como os recursos públicos redistribuídos pelo Estado por meio de diferentes políticas e programas foram decisivos para o incremento nos níveis de intensidade econômica, autonomia técnica e resiliência socioecológica na agricultura familiar. Ao mesmo tempo, evidenciaram que esses recursos públicos foram canalizados por redes sociotécnicas territorialmente referenciadas para serem combinados sinergicamente com recursos endógenos (ecológicos e sociais), contribuindo para a paulatina ampliação da base de recursos autocontrolada pelas famílias e comunidades rurais.
Público atendido
Agricultores Familiares
Agricultores
Povos Indígenas
Povos Tradicionais
Pequenos Produtores Rurais
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