Objetivo
Fortalecer a identidade cultural do Território Urucuia Grande Sertão Veredas por meio da valorização dos saberes tradicionais, especialmente o tingimento natural, promovendo práticas sustentáveis, geração de renda e o empoderamento comunitário das mulheres artesãs do sertão mineiro.
Problema Solucionado
No ano de 2000, um diagnóstico lançado sobre as terras do Vale do Urucuia revelou o que o tempo tentava esconder: mulheres do sertão, guardiãs de saberes antigos, mantinham viva — ainda que em silêncio — a memória da cadeia produtiva do algodão. Do plantio à fiação, do tingimento com cores extraídas do Cerrado à tecelagem de peças, seus conhecimentos ecoavam a sabedoria de gerações.
Nos baús, entre panos de esperança e saudade, repousavam relíquias — tecidos feitos à mão, fiados com histórias, coloridos com cascas e folhas, memória viva dos avós e bisavós. Mas aquele fio que ligava o passado ao presente ameaçava se romper. O saber, antes passado de mãe para filha, começava a se calar.
A prática ia desaparecendo, tragada pelo êxodo rural, pelas vitrines dos tecidos industrializados e, por vezes, pelo peso da vergonha. Para muitas, tecer não era arte, era sobrevivência. E quando a renda escasseia no campo, o sertão se despovoa e as cidades transbordam — levando junto os sonhos, as raízes e os saberes do chão.
Descrição
A metodologia adotada por esta Tecnologia Social prevê projetos em localidades com baixo IDH e poucas oportunidades de emprego e renda. A proposta é atuar na cadeia artesanal do algodão no meio rural, com produção do fio em rocas, ênfase no tingimento por meio da utilização de pigmentos e corantes extraídos da flora local, e tecelagem desses fios (tintos ou naturais) para a produção de peças artesanais de acordo com a demanda do mercado.
A mobilização tem como objetivo alterar a perspectiva de produção voltada apenas para a subsistência, propondo o retorno da atividade como forma de manter a tradição, permitindo que essas mulheres ampliem sua renda sem precisar sair de suas propriedades. O diálogo com as mulheres se dá em três dimensões:
– Entre as próprias artesãs, mobilizando-as para o trabalho artesanal;
– Entre as artesãs e seus produtos, respeitando a identidade cultural e vislumbrando seu potencial de renovação;
– Entre as artesãs e o mercado consumidor, adequando técnicas, ritmos e estéticas próprias às exigências do mercado.
Para essa ação, foram propostos diversos cursos e oficinas sobre associativismo, gestão do trabalho coletivo, gestão da produção, formação de preços e análise de sustentabilidade da cadeia produtiva. Isso possibilitou a organização e o preparo dos produtos, sua adequação ao mercado consumidor (principalmente quanto a tamanhos e padrões) e o desenvolvimento de novos produtos, etiquetas e embalagens que identificassem a origem, forma de produção e os conceitos do comércio justo.
Foram criadas as associações de artesãos de Sagarana (Tecelagem das Veredas), Riachinho (Tecendo o Sertão de Minas), Uruana de Minas (Cores do Cerrado), Bonfinópolis de Minas (Casa das Artes) e Natalândia (Fio Ação), garantindo a organização e a gestão formal das atividades. Toda a gestão é feita pelas próprias artesãs, contando com o apoio de uma pessoa para as questões administrativas e de controle. A participação de filhos e netos das artesãs é incentivada.
Para as atividades de tingimento, foram recuperadas receitas de pigmentos, levando em conta a disponibilidade das plantas para a composição de uma cartela com cores de produção contínua e outra com cores sazonais. Para garantir uma partida mínima de 50 kg de linhas de uma mesma cor, o grupo de Uruana de Minas ficou responsável pelo tingimento de todos os fios produzidos pelos demais grupos, fortalecendo a rede de produção.
Foi instalada uma tinturaria com capacidade para tingir até 150 kg por dia, além de uma fossa ecológica, o que permite atender encomendas maiores e confeccionar coleções padronizadas. Rodas de fiar foram adquiridas para as fiandeiras, que também foram incentivadas a retomar o plantio do algodão.
O algodão é adquirido em grandes cooperativas e distribuído em pacotes de cinco ou dez quilos às artesãs, permitindo que a fiação ocorra em suas residências, seguindo os padrões estabelecidos pela associação. Após fiada, a linha retorna à sede da associação, onde é classificada, podendo ser usada na produção de tecidos em sua cor natural ou enviada ao grupo de Uruana de Minas para tingimento, retornando depois à sede de origem. Para a tecelagem, foram adquiridos quatro teares para cada associação.
As fiandeiras realizam, anualmente, os mutirões de fiação, nos quais um grande número de mulheres se reúne em uma das associações para trabalhar coletivamente, cantar e confraternizar. A cada ano, essa ação ocorre em uma localidade diferente, promovendo a valorização dos saberes e fazeres rurais. Na rede de produção, o trabalho de uma artesã depende do trabalho da outra, e a qualidade do produto final depende do bom desempenho de todas. Fiandeiras e tecelãs conquistaram parceiros locais.
Neste novo contexto da Tecnologia Social, a principal mudança foi na estrutura de tingimento: os fogões a lenha foram substituídos por fogões industriais. Essa mudança trouxe maior agilidade ao processo de produção das tintas, reduzindo o tempo de cozimento e os custos com a busca ou compra de lenha. Além disso, outro ganho importante para a rede foi contar com mais de um grupo capacitado para realizar o tingimento das peças de tecelagem, aumentando a autonomia e a capacidade de produção.
Recursos Necessários
- Galpão de 109,68 m² (área aberta com fornos de alvenaria para tachos, tanques para lavagem das meadas e varais para secagem. Muro construído 89,60m² para garantir a segurança dos materiais de produção. Área fechada com deposito para matéria prima do tingimento, escritório administrativo e banheiros);
- Um metro cúbico de lenha plantada;
- 100 kg de linhas de algodão ou de fibras (milho, banana, lã);
- Três bacias grandes de plástico;
- Dois baldes;
- Seis colheres de pau;
- Uma balança de 30 kg;
- 500 g de alúmen de potássio;
- 500 g de sulfato de ferro;
- 500 g de sulfato de cobre;
- Sal comum;
- Água oxigenada, água sanitária e sabão em pó ou barra;
- Um rolo de arame encapado;
- Serragens de madeira, cascas de cebola, folhas de manga, urucum, açafrão e anileiras (plantas tintores);
- Meadeiras manuais (sugere-se cinco);
- Duas estantes de madeira para o armazenamento dos fios;
- Uma fossa séptica ecológica;
- Uma conicaleira (para fazer cones dos fios. Uma unidade atende à vários grupos e uma produção inteira de fios);
- Tachos de cobre, alumínio e ferro, respectivamente (sugere-se três);
- Dez diárias por mês;
- 500 l de combustível por mês;
- Rocas para cada fiandeira envolvida (sugere-se dez ou mais);
- Teares (serão usados no galpão para produção das peças de tecelagem);
- Uma urdideira (para urdir fios para tecer).
Resultados Alcançados
Essas mulheres passaram a se reconhecer como artesãs, artistas detentoras de um conhecimento que as legitima como representantes da cultura local. Isso permitiu sua inserção na comunidade, sendo convidadas para apresentações culturais em níveis local, regional e nacional. Foram trabalhados os conceitos de comércio justo e equidade de gênero. Não é permitido o trabalho infantil nem o trabalho análogo ao escravo. Todas as artesãs têm boas condições de trabalho e são responsáveis pela formação dos preços de seus produtos.
Toda a cadeia produtiva respeita os critérios de sustentabilidade ambiental. Na seleção dos corantes naturais, foram eliminadas as cores que, embora tradicionais, colocavam em risco as plantas — como o barbatimão, que produz a cor vinho, mas cuja extração é feita a partir da casca da árvore, prática que, sem manejo adequado, pode levar à morte da planta.
A maioria das artesãs permanece no projeto devido à inserção social que ele proporciona. No caso das fiandeiras, houve aumento da renda complementar. Já para as tingideiras e tecelãs, a atividade passou a ser sua principal fonte de renda.
O grupo de Natalândia é um dos cem Pontos de Cultura de Minas Gerais. Esta ação é um exemplo de economia solidária e trabalho em rede. As associações já foram contempladas em diversos editais e destaque de reportagens em jornais, revistas e programas de TV, como Globo Rural, TV Cultura e o Prêmio da Revista Casa Claudia. Houve significativa melhoria na qualidade de vida dessas pessoas.
A Tecnologia Social foi classificada em segundo lugar no prêmio “Talentos do Brasil Rural”, promovido pelo MDA. Diversas parcerias foram consolidadas, e os produtos já estão à venda em outros estados, como Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal.
Público atendido
Adulto
Artesãos
Idosos
Mulheres
Povos Tradicionais
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