Problema Solucionado
A exclusão social e econômica dos catadores de materiais recicláveis tem relações diretas com o analfabetismo. Catadores e catadoras são trabalhadores que tentam enfrentar a pobreza com a catação de materiais recicláveis. Exclusão da escola leva à exclusão do sistema de produção e consequentemente à exclusão econômica e social. Nas rodas de conversas, nas reuniões e nos primeiros encontros do CATA LETRAS, as catadoras da Cooper 3Rs participantes mencionaram vários fatores que dificultaram e impediram-nas de “ entrarem” na escola ou de permanecerem estudando. O fato de serem “mulheres”, na maioria negras; trabalho infantil, trabalho na roça; êxodo rural; exclusão por evasão escolar; “inquietudes” ou “ doenças infantis”. Pobreza! Cultura diferente da cultura dominante! Como descrevem Hasenbalg e Silva (1999, p. 31), “existe uma alocação diferencial histórica entre grupos de homens e mulheres brancos e negros”. Nesta alocação, os negros foram ocupando a base da hierarquia social, em áreas com maiores índices de analfabetismo. Este grupo ingressa tardiamente na escola, e apresenta altos índices de evasão e repetição escolar. "
Descrição
O CATA LETRAS não se constitui de “aulas” por uma “professora e alunas”. É roda de diálogo, momento da troca e aprofundamento de conhecimentos entre uma fonoaudióloga, uma catadora formada em Pedagogia e catadoras que se apropriam da linguagem escrita ao se reunirem em Círculo de Cultura (Paulo Freire). Tem sido construído a partir de uma concepção sócio-histórica e dialógica ( BAKHTIN, 1982{1029}; FRANCHI,1987), em que a linguagem é abordada na sua função social e compreendida como constituinte da subjetividade e da alteridade. Sujeitos atuantes no processo, todas somos pesquisadoras e protagonistas de um modo singular de alfabetização com catadoras enquanto “tecnologia social” transformadora porque é emancipadora e empoderadora. Trata-se de ensinar e aprender “linguagem” escrita e não simplesmente ensinar e aprender “escrita”. Temos utilizado a abordagem dos Gêneros Textuais (BAKHTIN, 1982{1029}) , considerando a realidade psicológica, social, econômica e linguística das catadoras, gênero feminino. Esta perspectiva contempla o sistema alfabético para além de consoantes e vogais, valorizando os caracteres e convenções gráficas não – alfabéticas: sinais de pontuação, sublinhado, itálico, maiúsculas e minúsculas etc. Como em todos os espaços e em todas as organizações de catadores/as, há uma variedade de linguagens escritas no contexto e no cotidiano da Associação Cooper 3Rs e que servem a diversas finalidades. Os gêneros textuais são determinados pelas intenções e propósitos comunicativos. “Para além da alfabetização” o CATA LETRAS, alfabetização e letramento com catadores/as, pauta-se no material curricular que foi proposto por um grupo de educadores/as coordenados por Ana Teberosky para dar conta de acompanhar mudanças na perspectivas teóricas acompanhadas de alterações nas práticas educativas com crianças. O CATA LETRAS, embora possa ser replicado em coletivos e organizações de catadores e em especial mulheres catadoras, é uma metodologia que precisa ser recriada pelos sujeitos e por cada grupo, nas suas singularidades e de acordo com suas culturas.
O primeiro encontro já deve ser entendido como um “Círculo de Cultura”, semelhante aos de Paulo Freire. Os/as participantes devem ser valorizados como “pessoas que aprendem participando ( PAPs)” de uma “pesquisa – ação- participativa ( PAP)“ “ _ Por que ainda não sabemos ler e escrever?” As conversas e discussões, certamente, transitarão pelo fenômeno da evasão escolar ou pela falta de acesso à escola. acesso à cultura da sociedade letrada, preconceito de pele, culturas diferentes da escola excludente, trabalho infantil, êxodo rural e experiências ineficazes no EJA, etc. Surpreendentes histórias denunciaram a exclusão escolar como causa da exclusão do sistema de produção e do mercado de trabalho. Relacionaram injustiça social e trabalho dos catadores, em especial da catadora mulher: "conflitos de gênero na sociedade e na associação; relacionaram linguagem escrita a poder de decisão: disseram da necessidade da mulher catadora integrar os conselhos administrativo e fiscal na Cooper; observaram que no grupo a maioria é mulher negra. Sobre “ _ o que é escrita e para que ler e escrever” questionamos as funções sociais da escrita: 1. lembrar; localizar; registrar; organizar; colocar em ordem ( tipos de texto enumerativos de diversos gêneros: listas de associados horas trabalhadas e rendas mensais; listas e agendas de telefones; lista de compradores; relatório mensal de vendas; nomes dos ônibus; etiquetas; rotulagem de produtos, de materiais, de nomes nos armários; nomes dos associados nos armários e pertences; nome dos materiais recicláveis) 2. Informar e nos informar sobre acontecimentos ( avisos de reuniões; horários de trabalho; notícias; convocação de reuniões; notícias de jornal da Cooper). Ofícios da prefeitura e SAAMA, folderes do MNCR, matérias de revistas ) 3. Aprender a fazer as coisas: (Ler manuais de equipamentos, instruções de tarefas diárias; atas e acordos em assembleias; pautas de reunião; receitas de culinária, receitas de remédio, cartilhas de formas de separar os materiais recicláveis; regras e regimento interno; estatuto caixa de sugestões e pautas) 4. Ler e expor resultados ( ler relatórios mensais), fotografias de eventos da Cooper com legenda; atas de reuniões; 5. ler para distrair e por prazer : textos do tipo literários: poesias; textos da Bíblia; novelas e histórias; letras de músicas). A gramática foi abordada como atividade metalinguística. No enunciado SOU CATADORA ! Analisamos e definimos “frase”, “ palavras”, “sílabas”, “fonemas” e “grafemas”. As relações entre fonemas e grafemas ( duas letras representando um fonema – LH, NH, RR,SS; CH); uma letra representando fonemas diferentes ( X - S - G). Textos enumerativos são comumente utilizados na Associação. Preencher FICHA desencadeou: “ Em que situações preenchemos fichas? Onde?” letras de forma, cursiva e letras de imprensa; sinais gráficos, acentuação e ortografia estão sendo contemplados continuadamente.
Recursos Necessários
Para implementar o CATA LETRAS são necessários poucos materiais e recursos, comumente encontrados nas cooperativas e associações de catadores, como: mesa, cadeiras, quadro de giz, apagador, pastas com plásticos, canetas, lápis, borracha, cadernos, folhas, livros diversos encontrados na coleta seletiva, e os portadores de textos utilizados no cotidiano, geralmente afixados nos quadros ou paredes. Há uma série de sugestões práticas para o trabalho com a alfabetização de catadores que podem servir de modelo para intervenções psicopedagógicas dialógicas. Os recursos são encontrados na atividade cotidiana do trabalho colaborativo/ cooperativo de coletar, triar, enfardar e comercializar materiais recicláveis com protagonismo de catadores e catadoras.Ou seja, os recursos materiais imprescindíveis são justamente os "gêneros textuais" que são tão diversos neste espaço de trabalho. Inspirada nos modelos da educação popular de Paulo Freire e Carlos Rodrigues Brandão, mas também utilizando estratégias, recursos e materiais Não se tratam de instruções prescritivas, mas de um trabalho adaptado às demandas dos caadores e catadoras, pautado nas experiências de autores assessorados e formados por Ana Teberosky na Catalunha. Cada cooperativa ou associação de catadores pode ser uma UNIDADE DO CATA LETRAS desde que alfabetização se faça concomitante ao letramento. Disponibilizamos como ideia, "pranchas" resultantes de uma sistematização da nossa experiência com catadores.
Resultados Alcançados
Justamente pela dificuldade em encontrar horários disponíveis para a atividade de alfabetização já que há outras tantas demandas (trabalho e produção para a geração de renda ), o CATA LETRAS, na forma em que foi concebido, como uso e necessidade de ler e escrever, e com as caraterísticas do grupo, fomentou autonomia, desejo e luta por uma gestão feminina. Do início das atividades e, de lá para cá, as reflexões do grupo de mulheres sobre as relações entre “poder” e linguagem escrita levaram o grupo de mulheres a exercer maior “controle“ sobre as prestações de contas, ao terem acesso a planilhas e movimento de caixa de rendas, receitas e despesas, tabelas de preços de materiais, e identificar as condutas autoritárias e individuais dos gestores na época, o que desencadeou um novo processo de escolha por novo Conselho Administrativo. A gestão, hoje feminina, agora é compartilhada entre todos/as associados/as e a garantia do exercício da ética e do respeito e valor das diferenças de cultura, gênero, opções sexuais, etnias, competências e habilidades. O grupo retoma as atividades do CATA LETRAS com 5 catadoras associadas, pois duas delas deixaram a organização por motivos de mudança de cidade e emprego. De grande importância ao grupo tem sido a inserção de uma catadora formada em Pedagogia ( associada fundadora ), que volta à Associação na função de triadora. No CATA LETRAS, a catadora pedagoga apoia diariamente as catadoras em fase de apropriação do código gráfico, dando efetividade ao CATA LETRAS nas horas de descanso (café e almoço) e no contexto do “uso” dos variados gêneros de discurso. Todas as 5 catadoras avançaram em nível de alfabetização e de letramento. A alfabetização e o letramento vão se desenvolvendo no cotidiano, em todos os setores da Central de Triagem, para além dos encontros semanais na roda dialógica. A "necessidade" de mais registros e indicadores de resultados do programa de coleta seletiva tem desencadeado a criação de novas planilhas e outros portadores de textos com diferentes finalidades. Isto porque há uma crescente profissionalização da associação e a expansão das suas atividades, bem como o empoderamento dos catadores, em especial das mulheres que, além de ser maioria, assumem a gestão democrática, compartilhada com a assembleia e com a equipe técnica, optando por novas formas de organização e operacionalização das atividades de coleta, triagem, armazenagem e comercialização dos materiais recicláveis. De 2017 a Cooper teve grandes transformações, com destaque no período de abril de 2018 a maio de 2019, com uma gestão diferenciada, pautada no diálogo e na progressiva transparência, a qual vem sendo construída a partir de registros de dados e indicadores. O espaço de trabalho também tem sido a cada dia mais sinalizado, com etiquetas, placas, e outros textos enumerativos. Temos presença masculina hoje na roda semanal, enriquecendo as discussões sobre relações de gênero e trabalho. Maior conhecimento e acesso à informação tem ocasionado menos eventos conflituosos. Os livros, que comumente eram "rasgados", as folhas de papeis triadas e comercializadas para reciclagem, hoje são selecionados para um "sebo" do BAZARECO, ou para a biblioteca da Associação. Nesta nova "paisagem" escrita da Central de Triagem, as já alfabetizadas também estão adquirindo o hábito da leitura nas horas de descanso/ café/ almoço, com interesse maior nos romances, poesias, temas de saúde alternativa, nutrição. Enfim, a Cooper tem se tornado uma Comunidade de Aprendizagem e Qualidade de Vida.
https://www.facebook.com/pg/Cooper3Rs/photos/?tab=album&album_id=1072882292783750
Tecnologias Sociais Semelhantes
Adolescentes Protagonistas
Saneamento Básico Na Área Rural - Fossa Séptica Biodigestora
Secador Solar De Madeira
Resgatando Gerações: Medidas Socioeducativas Aos Adolescentes Infratores