Problema Solucionado
Falar em um único problema que teria motivado a criação da tecnologia social seria simplificar o contexto no qual a mesma foi idealizada. O contexto territorial e social em que se plasmou a tecnologia foi historicamente demarcado pelo assentamento de XXX famílias em um terreno público periférico do município de Araraquara, sem que houvesse qualquer precedência de planejamento ou preparação do espaço. A imagem criada no imaginário social é a de que o espaço tenha se convertido em um verdadeiro depósito de pessoas, imagem essa reforçada pela grande precariedade, quando não pela inexistência, de equipamentos e serviços públicos essenciais. Uma das mais dramáticas conseqüências desse processo foi o estabelecimento de um “bairro” em que prevalece a ausência de quaisquer condições para que a população residente possa desenvolver percepções e relações de pertencimento ao espaço em que vivem. Ao contrário, criam-se relações de estranhamento. Relações essas que acabam se materializando em agressões simbólicas ao entorno, destacando-se o descarte irregular de resíduos de todos os tipos, depredações de variadas ordens e agressões ao pouco que restou de ambiente natural.
Descrição
O Projeto Arte e cultura popular para a produção agroecológica comunitária periférica (também conhecido como Horta Comunitária da Zona Norte) teve como idealizador Flavio Rodrigues (Preto), morador da Zona Norte de Araraquara, Território do Valle Verde. O território compreende 5600 moradias, habitadas por cerca de 30.000 pessoas. O espaço territorial no qual o projeto se instalou foi ocupado com desprovimento de aparelhos públicos como escolas, creches, praças ou postos de saúde, fazendo a comunidade conviver com essa deficiência publica por mais de 6 anos, gerando assim diversos reflexos negativos para o desenvolvimento da comunidade. Ademais, ocupou uma área que, originalmente era protegida legalmente como área destinada a reflorestamento e preservação de mananciais.
O projeto sócio-sustentável consiste em transformar um lixão clandestino em um espaço de trocas ricas e diversas. Com enxadas e poesias, embalados por cantos de trabalho ancestrais, um grupo de moradores da comunidade passou a se dedicar ao trabalho na terra, regando a comunidade e, assim, fazendo nascer o sentimento de coletividade, o respeito mútuo e outras “ervas daninhas” que o sistema teima em podar.
Esse trabalho é independente, feito por muitas mãos e vozes. Enquanto uma pessoa toca tambor outra maneja a enxada, cantando em uníssono e fortalecendo os laços comunitários da área por meio da implantação e manutenção de uma Horta Comunitária. Enfrenta-se, com isso, questões sociais como fome, violência, tráfico e tantos outros problemas que atingem essa periferia.
Todas as ações são regadas com arte e cultura, estimulando assim o consumo de alimentos orgânicos produzidos localmente e produzindo adubo orgânico através de compostagem feita a partir dos resíduos orgânicos gerados pelos moradores.
A implantação da horta, correspondente à tecnologia social ora referida, teve início em maio de 2016, quando um grupo de moradores, com proximidade de vizinhança, iniciou o plantio de uma pequena horta em fundo de quintal, em aproximadamente 90 m2, para auto-abastecimento de hortaliças aos participantes do grupo. A idéia logo vingou e motivou os participantes da iniciativa a buscarem alternativas para a expansão e a ampliação da produção, com vistas a suprir necessidades alimentares dos demais moradores do território.
Em janeiro de 2017 a oportunidade de expansão passou a adquirir ares de realidade, quando o mesmo grupo de moradores vislumbrou a possibilidade de ocupar um terreno público ocioso, que vinha sendo utilizado como depósito ilegal de resíduos – verdadeiro lixão a céu aberto.
A iniciativa dos vizinhos evoluiu para um embrião de organização, materializado na realização de mutirões comunitários dominicais, pelos quais foi realizada, em um primeiro momento, a limpeza do terreno – de aproximadamente 6.300 m2.
Passo seguinte foi o plantio de mudas de hortaliças em um pequeno espaço do terreno, com mudas adquiridas no comércio, com recursos dos próprios participantes. Nessa altura, o grupo se deu conta de que não dispunha de pontos de água para fazer a irrigação da horta. Recorreu ao Departamento Autônomo de Água e Esgoto do município – DAAE, sendo atendido com a instalação de um ponto e uma cota mensal de água.
Resolvido o problema da água, o novo desafio do grupo foi buscar meios alternativos e criativos capazes de atraírem e mobilizarem os moradores do bairro, notadamente jovens, para atuarem em caráter permanente, e com disciplina comunitária, nas atividades da horta.
O primeiro grupo focal foram as crianças que ficavam na rua e que, movidas pela curiosidade, começaram a se aproximar, atraídas por manifestações de capoeira, maracatu, samba de côco e outros batuques da cultura popular, que passaram a ocorrer regularmente aos domingos pelas manhãs.
Não demorou a que os pais e responsáveis começassem a se aproximar, em um primeiro momento para verificar o que as crianças faziam e, na seqüência, para se engajar nas práticas coletivas.
Resultado disso foi a rápida disseminação, no âmbito do município, sobretudo pelos bairros mais populares, do êxito da iniciativa. A curiosidade logo chamou a atenção de número crescente de pessoas, não apenas residentes no bairro, mas de outros territórios do município.
Os frutos logo, embora não em pouco tempo, começaram a ser colhidos: além do abastecimento alimentar, tornou-se perceptível o empoderamento da comunidade, a transformação social, a redução do descarte irregular de resíduos, o resgate e a valorização da cultura e da arte popular, o reconhecimento, pela população do bairro, da importância do diálogo com educação e formação e o significativo aumento da auto-estima da comunidade.
Recursos Necessários
Os recursos materiais necessários à reprodução e implantação de uma unidade da tecnologia social são os abaixo relacionados. Considerando que os quantitativos desses investimentos podem variar enormemente caso a caso, considerou-se aqui, em termos metodológicos, um módulo padrão de 20 m2. Deve-se alertar, contudo, que a reprodução em espaços maiores não irá implicar, necessariamente, na simples multiplicação dos quantitativos modulares, em virtude dos evidentes ganhos de escala.
1) Infraestrutura física preliminar:
- Um terreno não pavimentado com metragem quadrada mínima de 20 m2.
2) Investimentos em ativos patrimoniais:
- Enxadas, compreendendo um mínimo de duas para um módulo de 20 m2;
- Um ponto de água;
- Um reservatório de água de capacidade proporcional ao tamanho da área;
- Uma mangueira de metragem proporcional ao tamanho da área e à distância do ponto de água;
- Regadores, compreendendo o mínimo de um para o módulo de 20 m2;
- Rastelos, compreendendo o mínimo de um para o módulo de 20 m2; - Palets, para composteira;
- Instrumentos musicais (pandeiro, tambor, violão, dentre outros)
3) Materiais de consumo (primeiro lote):
- Mudas de hortaliças variadas;
- Sementes em geral;
- Esterco bovino.
Resultados Alcançados
Hoje o projeto tem a participação ativa de 200 pessoas, o que vem a representar algo em torno 70 famílias, porém este número continua crescendo.
Já foram realizados mais de 150 mutirões, com adesão significativa dos moradores. Em algumas ocasiões mais de 100 pessoas estiveram envolvidas em cada mutirão, incluindo os membros da comunidade e colaboradores externos.
Em relação aos eventos culturais, chegaram a ocorrer encontros com mais de 500 pessoas. Participaram de alguns desses eventos figuras renomadas nacionalmente em vários aspectos, dentre eles o pensador Eduardo Marinho, o movimento de poesia marginal Slam Resistência, o grupo artístico Jongo Dito Ribeiro, dentre outros.
É notável a disseminação do sentimento de pertencimento em relação ao espaço das pessoas envolvidas, sejam elas moradoras ou parceiras de outras localidades. Constata-se uma progressiva desconstrução do olhar marginalizado para a comunidade, que agora se reconhece como sociedade e se orgulha de seu protagonismo na transformação do espaço.
Com a implementação da tecnologia social criou-se uma ponte entre a Horta e outros espaços na cidade e fora dela, como apresentações culturais do Maracatu mirim, que surgiu na Horta e é protagonizado por crianças e mulheres, que agora são reconhecidas como artistas da Horta Comunitária da Zona Norte.
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