Problema Solucionado
O cenário onde foi implantado a TS é a Estrutural, o antigo lixão de Brasília, que se transformou em aterro sanitário e hoje é uma das regiões administrativas com um dos piores IDH do DF.
O público são as mulheres, entre 18 e 70 anos, em situação de extrema vulnerabilidade social e psicológica. Todas tinham dupla jornada e, não raro, sofriam violência doméstica.
Com a organização social da comunidade, várias políticas públicas foram conquistadas. Porém, o acesso a elas era dificultado pela baixa estima da comunidade. Sob tal perspectiva, a instabilidade financeira destas mulheres colocava-as em permanente insegurança e tensão para suprir a casa. Ao mesmo tempo, eram lesadas em sua integridade física e psicológica, sofrendo de uma violência que se acirrava diante da sua posição econômica, racial e de origem regional.
Assim, elas acabavam tendo uma vida de muitas responsabilidades, mas sem amparo social para desempenhá-las com dignidade. Isso tudo afetava sua saúde, sua vida emocional e acabava por circunscrevê-las em uma autodepreciação, sem seus direitos garantidos e sua sensibilidade feminina respeitada.
Descrição
CONCEPÇÃO DA IDEIA
Uma das políticas públicas que chegaram à Estrutural (DF), em 2010, foi o Programa Nacional Mulheres Mil, coordenado pelo Ministério da Educação. O Programa tem como objetivo incluir socialmente as mulheres, em situação de vulnerabilidade social, por meio da educação para a inserção no mundo do trabalho e, conseqüentemente, na melhoria da qualidade de suas vidas e das de suas comunidades. O Instituto Federal de Brasília (IFB) executou a primeira experiência do Programa Mulheres Mil, por meio do Campus Taguatinga Centro (DF), onde nós - criadoras da TS - participamos ativamente deste programa, como servidoras públicas do IFB.
Neste contexto, no âmbito do IFB, se abriu um edital de Extensão, em que vimos a oportunidade de desenvolvermos uma tecnologia social, que mesclasse as metodologias: Tertúlia Literária Dialógica (TLD), Mapa da Vida, Escrita Criativa e Produção de Livros Autorais/Artesanais. Enfim, escrevemos o projeto de Extensão e fomos contempladas para iniciá-lo em 2011. A concepção da ideia surgiu ao observarmos que as mulheres, participantes do Programa, teriam dificuldades de permanência, motivadas pela baixa estima, que era resultado da baixa escolaridade, da violência doméstica e das suas condições indignas de trabalho.
O início do desenvolvimento desta tecnologia social se deu com a mobilização e seleção do público de interesse. Isso ocorreu como o apoio das lideranças comunitárias locais e pelos agente públicos da Estrutural.
A aplicação prática da tecnologia social aconteceu de forma planejada e seguindo as etapas abaixo:
MAPA DA VIDA. Com o grupo reunido aplicamos a metodologia "Mapa da Vida", que cria a oportunidade e o ambiente para a troca, registro e valorização das experiências de vida dos participantes. Com uma cartolina divida em três partes - passado, presente e futuro -, cada um, por meio de escrita ou imagens recortadas de revistas, resume o que foi mais importante no passado, o que está sendo no presente e o que espera para o futuro. Depois há o compartilhamento de cada trabalho. O Mapa da Vida cria cumplicidade e evita a evasão.
TERTÚLIA LITERÁRIA DIALÓGICA (TLD). Ocorre em sessões semanais com duração de duas ou três horas/cada. Os participantes, sempre dispostos em círculo, fazem a interpretação dos textos literários lidos, inter-relacionando-os com a sua vida. Vários gêneros podem ser utilizados: romance, contos ou poesias. A condução das sessões é coordenada por uma equipe que possui as seguintes atribuições: Mediador: 1) Organizar a atividade, sempre em diálogo com o grupo. 2) Explicar como se dará a TLD. 3) Fazer as inscrições e distribuir as falas, após a leitura do texto literário. 4) Orientar os participantes para que grifem trechos do texto que mais lhe chamem atenção e que se relacionem à sua vida. 5) Esclarecer que o modo de leitura de cada um será respeitado. Apoiador: 1) Colaborar com o mediador no desempenho de seu papel, pesquisar na internet os temas históricos, geográficos, lingüísticos etc, que surgem durante a TLD. 2) Auxiliar na leitura de quem precisar. Relator: 1) Registrar, em primeira ou terceira pessoa, as principais ideias dialogadas durante a sessão de Tertúlia. 2) Ler os comentários ao final do encontro.
Com base na realidade íntima e social do grupo, a mediação da escolha da obra literária deve ser feita de maneira coletiva. Após a leitura, em que cada participante lê um trecho do texto, abre-se os diálogos para a interpretação textual. Neste momento cada participante sinaliza o trecho que escolheu e a relação que fez com a sua vida, seguindo assim, sucessivamente, até que todos falem, sem interrupção de cada fala. Caso algum participante não queira falar, todos fazem silêncio. Neste momento o mediador lembra aos participantes que a ausência de uma fala é uma perda para todo o grupo, pois somente na troca coletiva é que a produção do conhecimento se dá.
ESCRITA CRIATIVA. Concomitantemente à fase de leitura dos textos, se estimula os participantes a escreverem textos literários (poesia ou diário) com temas da sua vida. Na sessão seguinte, os participantes entregam os textos para o mediador que os corrige e os devolve para a reescrita. E assim sucessivamente.
PRODUÇÃO DE LIVROS AUTORAIS/ARTESANAIS. Os textos reescritos pelos participantes são digitados e diagramados pela equipe de trabalho. Os textos de todos serão reunidos em um só livro e este será replicado para cada autor. É, então, realizada uma oficina de confecção de livros artesanais, onde os autores produzem, desde a arte da capa até a amarração com linha de sisal das páginas e capas. Estimula-se o uso de material reciclável para todo o processo.
ENVOLVIMENTO DA COMUNIDADE. A materialização da efetividade da tecnologia social se dá quando ocorre o lançamento do livro em um local público da comunidade. Os familiares e os principais atores sociais são convidados a celebrar esta etapa da tecnologia social e prestigiar o sucesso das novas escritoras.
Recursos Necessários
Etapa 1 - Mobilização e seleção -locação de veículo, Telefone, gasolina, Papel, Pranchetas, Canetas, Internet
Etapa 2 - Material dos participantes - Camisetas, Bolsa auxílio, Bolsa/sacola, Material escolar, Transporte por 10 meses
Etapa 3 - Oficina Mapa da Vida - Material de expediente, cartolina, revistas, giz cera, lápis de cor, tesoura, cola, lanche.
Etapa 4 - Oficina TLD - Locação de data show, locação de computador, Internet, banner, Kit de livros, cadernos de capa dura, câmara fotográfica, locação de ônibus e lanche para visitas culturais.
Etapa 5 - Oficina de Escrita Criativa - Material de expediente, telas de pintura
Etapa 6 - Oficina de livros artesanais - Material de expediente, tinta, pincel, impressão dos textos para os livros, Diagramação
Etapa 7 - Lançamento do livro - locação do espaço, buffet, transporte, decoração, banner, folder, locação de som e imagem
Etapa 8 - Atividades comunitárias-Gasolina, Material de comunicação, Telefone e Internet
Resultados Alcançados
O resultado direto e mensurável desta tecnologia social foi, inicialmente, o envolvimento de 50 mulheres da Estrutural (DF). Considerando as famílias das participantes, soma-se indiretamente mais de 200 pessoas. Outro resultado direto do sucesso da tecnologia social foi a publicação de 2 livros: "Tertúlia Literária Dialógica: a expressão de mulheres excluídas em poemas e diários" e "Tertúlia Literária Dialógica: teoria e prática" (Editora IFB). Destacamos, também, como resultado direto os 8 convites que recebemos de instituições públicas e privadas, onde fizemos formação para que reaplicassem a metodologia com outros públicos.
Do ponto de vista qualitativo, observamos que as fontes de aprendizagem das participantes foram elevadas e qualificadas, se transformaram em leitoras e escritoras ávidas; quase metade das participantes iniciaram os estudos em instituições de ensino superior. E, mais da metade delas trocaram de trabalho para melhores condições profissionais. Neste sentido a tecnologia rompeu com os muros anti-dialógicos sociais, pessoais e culturais, que impossibilitam às classes desprivilegiadas o acesso e o desfrute da literatura. Proporcionou ainda a todas as mulheres envolvidas aprendizagens instrumentais, segurança e desenvoltura na expressão verbal, na capacidade argumentativa, ampliação cultural, pensamento crítico e respeito à diversidade.
Há resultados positivos ambientais também, pois os livros artesanais e de baixo custo valorizam o material reciclável disponível e cria forma alternativa de publicação sem as imposições do mercado editorial.
Utilizamos dois instrumentos para registrar os avanços desta tecnologia social: cadastro socioeconômico e avaliação final. Porém, esta metodologia não se pode medir com réguas cartesianas e frias da estatística. Mesmo reconhecendo a eficiência da estatística, esta tecnologia está amalgamada em indicadores muito subjetivos, que vai desde a melhoria das relações com a família até o autoconhecimento. O resultado também perpassa pelo protagonismo nas reivindicações sociais e comunitárias e se enreda na fiscalização do poder público e na qualidade de vida.
Se considerarmos que a grande maioria do público inicial desta tecnologia foi vítima de abusos e de maus tratos durante toda a vida, e que agora tiveram sua autoestima resgatada e a sua autonomia social e pessoal mobilizadas, podemos considerar esta tecnologia, vencedora e legítima a ser reaplicada em outros lugares do Brasil.
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