Problema Solucionado
As famílias de algumas localidades rurais da Amazônia estão situadas na região do Médio Rio Solimões, estado do Amazonas, em um ecossistema de várzea. Neste ambiente, sazonalmente, ocorre a variação do nível das águas do rio, estabelecendo estações de vazante, seca, enchente e cheia, quando o nível da água sobe até 10 metros de altura.
Durante os meses de seca, nível mais baixo das águas, a distância entre os domicílios e o rio atinge 1,5 km de extensão. É nesse período que a população local enfrenta maior dificuldade de acesso a água. Nesta situação, as mulheres e as crianças, responsáveis pelas tarefas domésticas, coletam água diretamente do rio para o consumo da família, enfrentando barrancos íngremes e percorrendo grandes distâncias com baldes d`água na cabeça.
Desde o ano 2000 foram realizadas diversas ações de extensão pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, com o objetivo de minimizar os efeitos da seca sobre o dia-a-dia da população ribeirinha.
A experiência adquirida com a implantação de tecnologia social para a gestão da água em comunidades de várzea resultou na criação de um sistema de abastecimento de água com energia solar.
Descrição
O abastecimento d´água alimentado por energia solar em comunidades rurais do Amazonas é uma iniciativa inovadora para o ambiente de várzea. O sistema utiliza a energia solar renovável no bombeamento, evitando o consumo de óleo diesel em termelétricas, que têm alto custo e geram poluição. Os painéis fotovoltaicos são colocados sobre o rio, em uma plataforma de madeira flutuante construída pela comunidade. A bomba é colocada sob as placas solares, que fornecem a energia elétrica necessária para seu funcionamento.
A água é bombeada para um reservatório elevado coletivo, com três a dez mil litros de capacidade. O reservatório é conectado a um filtro de areia, para pré-tratamento da água e remoção de sólidos grosseiros. Após a filtração, a água é distribuída por gravidade para a comunidade, com um ponto de fornecimento em cada domicílio.
Os moradores da comunidade participam de todas as etapas da implantação da tecnologia, decidem sobre o local de instalação, participam da construção da base do reservatório, da rede de distribuição de água e da instalação dos equipamentos, além das tomadas de decisões sobre a gestão comunitária do sistema. O processo inclui varias reuniões com a comunidade sobre gestão para o uso e manutenção coletiva da tecnologia. São realizadas atividades de educação para a saúde, com orientações sobre o armazenamento da água, por exemplo.
Inicialmente, eles são responsáveis pela aquisição de madeira, que geralmente é proveniente de áreas da própria comunidade. A madeira é utilizada para a construção da base flutuante dos painéis solares e para a construção da base de apoio do reservatório d’água.
Na construção da base flutuante os moradores executam os serviços de serraria e montagem. Para a construção da base de apoio do reservatório, são necessários esforços de serraria, preparação de cimento e abertura de covas para a instalação das vigas de apoio.
A instalação do sistema de distribuição de água inclui cavar redes para assentamento da tubulação e unir peças hidrossanitárias. Essas etapas também podem ser executadas pelos moradores da comunidade.
As ligações elétricas da bomba e painéis fotovoltaicos são feitas nas últimas etapas do processo. Para executar este trabalho, é preciso o acompanhamento de um técnico especializado.
A manutenção do sistema de abastecimento também é feita pela comunidade. Consiste na limpeza periódica do reservatório de água, retrolavagem do filtro de areia do pré-tratamento, adequação da tubulação a partir da bomba (alongamento ou encurtamento, dependendo do nível d’água, entre as cheias e secas) e execução de reparos na rede de distribuição, como troca de tubos e torneiras. Em cada comunidade, dois moradores são escolhidos para receber as capacitações que tratam da conservação do sistema.
Recursos Necessários
Para a construção são necessários materiais de consumo, equipamentos, ferramentas e pessoas com conhecimento de carpintaria, encanamento e energia elétrica.
Entre os materiais de consumo estão aqueles necessários para: instalação elétrica (fiação, terminais, borne para aterramento e fita isolante); construção da plataforma flutuante (vigas de madeira, bóias de madeira, estrutura de metal para apoio das placas solares, cabo de aço, pregos, parafusos, arruelas, pincéis e abraçadeiras); base de apoio do reservatório (vigas de madeira, esteios de madeira, areia, cimento, seixo, água, tinta, lixas, parafusos e arruelas); construção da rede de distribuição de água (tubos de PVC, conexões, mangueiras, cola para PVC e torneiras); reservatório ou caixa d’água de 5 mil litros.
Entre os equipamentos estão: painéis fotovoltaicos, bomba solar (modelo nacional), disjuntor e filtro de areia.
Os principais tipos de ferramentas usadas são: furadeira elétrica, multímetro, motosserra, serra circular, esquadro, formão, nível, chaves de boca, serra-copo, chave de tubo, tarraxa, martelo, marreta, serrote, serra de serrar ferro, alicate, chaves de fenda, canivete, enxada, enxadeco, ferro de cova, boca de lobo, pá e trena.
A equipe de instalação deve ser formada por pessoal local, com conhecimento em carpintaria e encanamento. Também é necessária a participação de uma pessoa com conhecimento em energia elétrica (se possível, com conhecimento em energia solar também) para a ligação do gerador solar e da bomba.
Resultados Alcançados
O sistema de abastecimento de água por meio de energia solar já beneficiou 415 moradores de seis comunidades onde o sistema está funcionando. Decorrida a fase de instalação dos sistemas de bombeamento de água, em 2002, as comunidades tem sido acompanhadas por técnicos do Instituto Mamirauá para que fosse possível medir as mudanças na vida da população.
Dentro do grupo familiar, a implantação do sistema de bombeamento trouxe benefícios à saúde. Pesquisas epidemiológicas desenvolvidas para o acompanhamento dessa tecnologia social contribuíram para identificar a redução do índice de mortalidade infantil, que geralmente está associado à desidratação provocada por diarréias. Em 1996, foi registrado o índice de 86/1000 nascidos vivos e em 2005 o índice ficou em 27/1000 (ver artigo "Água de beber, água de cozinhar, água de tomar banho" de Moura, 2017).
No acompanhamento da tecnologia na vida comunitária, é possível identificar também a facilidade para os procedimentos de higiene pessoal e doméstica, e a eliminação do esforço físico das mulheres e crianças pelo transporte de água.
O envolvimento da comunidade na construção e manutenção do sistema de abastecimento também é um importante resultado alcançado. Além disto, como complemento à tecnologia, muitos comunitários estão adquirindo reservatórios de 500 litros para armazenar água para seu consumo, demonstrando que a relevância da tecnologia e ampliando seus benefícios.
Em 2012, este Sistema de Abastecimento de Água certificado pela Fundação BB recebeu o Prêmio Finep de Inovação em nível nacional, na categoria Tecnologia Social.
Já foram realizadas cerca de 20 oficinas com comunidades e 3 cursos para potenciais multiplicadores da tecnologia, levando conhecimento para mais de 600 pessoas.
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