Objetivo
O objetivo central dessa tecnologia social é abordar o grave problema da pesca fantasma e seus impactos socioambientais, ao mesmo tempo que gera uma alternativa de renda estável para as comunidades tradicionais, que são as mais afetadas por esse problema, e valoriza os conhecimentos caiçaras de remendo de redes de pesca.
Esse problema envolve a perda e descarte de redes de pesca no oceano, que continuam a capturar e matar animais marinhos, causando danos à biodiversidade e à sustentabilidade dos ecossistemas marinhos (até 69 mil animais impactados por ano somente no Brasil).
Além disso, a pesca fantasma afeta diretamente as comunidades costeiras e caiçaras, que dependem da pesca como fonte de renda e subsistência. A gestão das redes de pesca descatada é difícil, apesar deste ser considerado um dos macrolixos mais perigosos no ambiente. Especialmente em ambientes insulares e para comunidades tradicionais isoladas, que enfrentam desafios diversos de acessibilidade, muitas vezes acabam ainda inteiramente responsáveis pelo descarte das redes de pesca, o que se soma a desvalorização sistêmica de sua cultura.
Problema Solucionado
A Tecnologia Social da iniciativa busca solucionar ou amenizar o problema da pesca fantasma, da desigualdade e invisibilidade das comunidades costeiras tradicionais e da desvalorização sistêmica do conhecimento de costura de redes de pesca, oferecendo uma abordagem integrada que contempla questões ambientais, culturais e econômicas, contribuindo para a conservação do meio ambiente e o bem-estar das comunidades costeiras. É uma solução holística que reflete a necessidade de ações sustentáveis para promover um desenvolvimento mais responsável e equitativo.
Descrição
A implantação do processo da Tecnologia Social da iniciativa envolve várias etapas e atividades interligadas. Abaixo, descrevo a metodologia e os procedimentos adotados na implantação do processo:
1. Identificação do Problema e Oportunidade: O processo começa com a identificação do problema da pesca fantasma, o que se deu pela vivência de anos dos oceanógrafos fundadores dessa iniciativa em uma comunidade caiçara. Por compreender o problema da pesca fantasma, mas também a realidade dos moradores locais das comunidades tradicionais da Ilha Grande, que sofrem com a desvalorização do seu modo de vida e especulação imobiliária que teve início esse modelo socioambiental.
2. Mobilização das Comunidades: A iniciativa trabalha em estreita colaboração com as comunidades caiçaras e costeiras, promovendo a conscientização sobre o problema e as potenciais soluções. Isso inclui reuniões, workshops e atividades de educação ambiental. Por conta da vivência prévia nas comunidades, os fundadores foram bem aceitos e passaram e explicar o problema e pedir a colaboração.
3. Coleta de Redes de Pesca Descartadas: Um dos aspectos cruciais do processo é a coleta das redes de pesca descartadas, que ocorre por cima e por baixo da água. Além de limpezas subaquáticas, com equipamentos de mergulho, um grande volume das redes é doado pela própria comunidade. Os pescadores locais doam as redes por auxiliá-los na gestão do resíduo e também por saberem que estas gerarão renda para amigos, parentes e familiares.
4. Triagem e Preparação: As redes de pesca coletadas passam por uma triagem para selecionar aquelas que podem ser costuradas manualmente para a produção de bolsas e acessórios. As redes que não podem ser costuradas passam por um processo de trituração e preparação para reciclagem. Todas as redes são lavadas e cloradas para evitar a transmissão de doenças.
5. Costura Manual: As redes em boas condições são entregues para os colaboradores, que vão costurar os produtos. A fase de costura é um dos destaques do processo, pois envolve a aplicação de saberes tradicionais de costura de redes. Todo mês, combina-se uma produção mensal dos diferentes itens, garantindo uma renda complementar de ao menos R$1000 para cada família.
6. Desenvolvimento de Produtos: As redes costuradas manualmente são transformadas em produtos, como bolsas, sacolas e acessórios. Os produtos são cuidadosamente projetados e confeccionados para atender aos padrões de qualidade e durabilidade.
7. Revisão de Produtos e preparação para embalagem: após costurados, todos os produtos são revisados por um grupo de mulheres e jovens, garantindo um ótimo padrão de qualidade. Quaisquer furos das redes, já que estas são usadas, são fechados manualmente. Por fim, os produtos passam por mais uma lavagem.
8. Embalagem: os produtos lavados são então embalados de forma simples, apenas com papel, mas de modo a conscientizar o consumidor sobre a pesca fantasma e sobre a importância dos conhecimentos das comunidades tradicionais costeiras.
9. Comercialização e Divulgação: Os produtos são comercializados por meio do site da iniciativa e de suas redes sociais. A divulgação inclui histórias sobre a origem das redes, os saberes envolvidos na produção e a importância da conservação marinha.
10. Expansão e Replicação: A iniciativa busca expandir seu modelo de negócios para outras regiões costeiras do Brasil, replicando o processo e envolvendo comunidades locais. Isso inclui a capacitação de novos grupos e parcerias com outras organizações.
11. Monitoramento e Avaliação: O processo é constantemente monitorado e avaliado quanto ao seu impacto ambiental, social e econômico. São realizadas medições de redução da poluição marinha, geração de renda, empoderamento das comunidades e conscientização.
12. Aprimoramento Contínuo: Com base nos resultados e aprendizados, o processo é aprimorado continuamente. Isso pode envolver a introdução de novos produtos, a otimização de técnicas de reciclagem com as redes que não podem ser costuradas manualmente e a expansão da conscientização.
A metodologia adotada é participativa, envolvendo ativamente as comunidades costeiras e promovendo a valorização de seus saberes tradicionais. A implementação do processo é adaptada às realidades locais, garantindo a eficácia e a sustentabilidade das ações. A iniciativa busca criar um ciclo virtuoso de conservação marinha, geração de renda e empoderamento das comunidades costeiras.
Recursos Necessários
Para a implantação da Tecnologia Social da iniciativa Marulho, os principais recursos materiais necessários incluem:
-Redes de Pesca Descartadas: O recurso principal são as redes de pesca descartadas coletadas no tanto dentro quanto fora da água. Elas servem como matéria-prima para a produção dos produtos, mas no modelo que trabalhamos estas são doadas pelas próprias comunidades, por facilitarmos a gestão do resíduo e por entender que servirão de insumo e fonte de renda para amigos e familiares.
-Material de Costura: São necessárias agulhas, fios e cabos típicos da pesca para a confecção dos produtos. Além disso, muitas vezes os materias recebem personalizações e adaptações especiais, que exigem máquinas de costura, tecidos e alças.
-Material de Embalagem: É preciso adquirir materiais de embalagem para acondicionar os produtos finais e comunicar sobre a iniciativa. Utilizamos uma impressora e papeis reciclados.
-Transporte: Meios de transporte são essenciais para coletar as redes de pesca descartadas, distribuir os produtos e acessar diferentes comunidades costeiras. Temos uma embarcação própria, para realizar os transportes das redes e dos produtos até o centro de distribuição (correios e transportadora).
- Local de Produção: É necessário um espaço físico para a produção, armazenamento e organização das atividades da iniciativa. Na comunidade que atuamos, usamos nossa propria casa.
-Computadores e Conexão à Internet:Para a administração, gerenciamento online e divulgação nas redes sociais, computadores e acesso à internet são fundamentais.
-Ferramentas de Comunicação Online: Plataformas de mídia social, um site e outras ferramentas online são necessárias para promover a conscientização e comercialização dos produtos. Já temos todos estes itens estruturados (www.fazermarulho.com.br e www.instagram.com/marulhoeco )
-Contêineres e Recipientes de Armazenamento: São úteis para armazenar as redes de pesca coletadas, bem como os produtos acabados
Esses recursos materiais são essenciais para a operação da iniciativa e a produção sustentável de produtos a partir das redes de pesca descartadas. Eles permitem que a Tecnologia Social tenha um impacto significativo na redução da poluição marinha, geração de renda e promoção da conscientização sobre a pesca fantasma. Contudo, entende-se que grande parte dos recursos seria reusada da estrutura já construida na Ilha Grande, para replicações na região, ao manter-se o centro de expedição de produtos em Angra dos Reis. Ou seja, outras comunidades atuariam na confecção, mas a embalagem e envio seria centralizado nessa região
Resultados Alcançados
Em 2020-2022, a fundadora Beatriz Mattiuzzo realizou sua dissertação de mestrado avaliando o impacto da iniciativa e sistematizou uma série de indicadores.
Resultados Quantitativos:
- Redução da Poluição Marinha: Desde o início da iniciativa, mais de 4 toneladas de redes de pesca descartadas foram coletadas e recuperadas. Isso representa uma significativa redução do lixo no oceano.
- Geração de Renda: A produção e comercialização de produtos feitos com redes de pesca recuperadas geraram uma fonte constante de renda para as comunidades costeiras envolvidas, já tendo gerado mais de R$380 mil reais para 17 famílias desde 2021. Isso inclui jovens e mulheres que passaram a dominar as técnicas de costura tradicionais.
-Conscientização: A iniciativa alcançou um público amplo por meio das redes sociais (mais de 3 milhões de pessoas!) promovendo a conscientização sobre a pesca fantasma e a importância da conservação marinha. Isso é evidenciado pelas interações e compartilhamentos nas plataformas online.
- Produtos espalhados pelo Brasil: mais de 40.000 mil itens já produzidos, entregues pelo Brasil todo, atuando como embalagens, brindes corporativos ou uso pessoal.
Resultados Qualitativos, obtidos por meio de entrevistas:
-Valorização dos Saberes Tradicionais: A revitalização dos saberes tradicionais de costura de redes é um dos resultados mais valiosos. Mestres locais ensinaram técnicas a jovens e mulheres, preservando esse patrimônio cultural.
- Mudança de Percepção: A iniciativa transformou a percepção das comunidades costeiras em relação às redes de pesca descartadas. Elas passaram de resíduos a recursos valiosos para a geração de renda.
- Orgulho e Saúde: As comunidades caiçaras e costeiras passaram a se orgulhar de seu papel na conservação do meio ambiente, além de relatarem melhoras de saúde física e mental.
- Replicabilidade: A iniciativa demonstrou que seu modelo de negócios social pode ser replicado em outras regiões costeiras, expandindo o impacto e promovendo a conservação marinha em âmbito nacional.
Os resultados quantitativos evidenciam o impacto concreto da iniciativa na redução da poluição e na geração de renda, enquanto os resultados qualitativos mostram as mudanças significativas nas percepções, sentimentos e atitudes das comunidades envolvidas. A Tecnologia Social da Marulho promove uma abordagem holística para a conservação marinha e o desenvolvimento sustentável das regiões costeiras.
Público atendido
Pescadores
Mulheres
Idosos
Adulto
Adolescentes
Analfabetos
Povos tradicionais
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