Objetivo
A tecnologia tem o objetivo geral de acompanhar e facilitar a transição de jovens do serviço do acolhimento para a vida autônoma. Os objetivos específicos são: recompor a aprendizagem e fortalecer os vínculos com a escola, desenvolver um projeto de profissão, desenvolver um projeto de moradia, promover cidadania e promover o uso consciente do dinheiro.
Ao serem desligados dos serviços de acolhimento pela maioridade, estes jovens precisam ter sustento, saber administrar seus recursos financeiros, necessitam de local para morar e sentir-se pertencentes à comunidade
Problema Solucionado
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, em 2025, 9.900 adolescentes entre 14 e 17 anos vivem em serviços de acolhimento no Brasil e 3.000 são obrigados a deixar essas instituições anualmente, ao completarem a maioridade. A chegada aos 18 anos implica em uma etapa da vida com inúmeras responsabilidades e pouco suporte de políticas públicas, pessoas ou organizações. Ao deixarem os serviços, a maioria dos jovens é confrontada com dificuldades que comprometem diretamente seu desenvolvimento e inserção na vida social, como a ausência de moradia, trabalho, alimentação e saúde, por exemplo. Ao não encontrarem a preparação e o suporte necessário, os jovens acabam ficando expostos e vulneráveis à vida na rua, a novas institucionalizações e a uma condição precária que os joga em um ciclo de violação de direitos. É importante destacar que estes jovens apresentam perfil caracterizado pelo longo período de acolhimento, por sentimentos de solidão, exclusão e pouca autonomia, questões que devem ser trabalhadas ao longo do acolhimento para que possam enxergar e construir caminhos para uma realização pessoal saudável.
Tal situação de fragilidade e desamparo foi identificada por recentes pesquisas na área. Estudo realizado na Argentina, Bolívia, Brasil, México e Peru, coordenado pela Associação Civil Doncel, como representante da Red Latinoamericana de Egresados de Protección, e apoio da UNICEF revelou a ausência de iniciativas que fortaleçam os jovens no momento de transição do acolhimento e que contribuam para o desenvolvimento de sua autonomia. A pesquisa teve o objetivo de gerar aprendizados e recomendações para o desenvolvimento de projetos e políticas públicas de apoio à transição de jovens do acolhimento e considerou que em nosso país, a força da lei apresenta-se ainda distante da realidade vivida pelos jovens no enfrentamento da saída da medida de proteção.
O estudo Minha Vida Fora Dali: A Perspectiva de Jovens Egressos dos Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (2020) teve como objetivo conhecer a perspectiva de egressos dos serviços de acolhimento de macrorregiões brasileiras. Dentre outros aspectos, os entrevistados enfatizaram que as instituições deixam de focar elementos fundamentais da preparação para os 18 anos, como o estudo, as atividades cotidianas e o manejo do dinheiro. Os entrevistados ainda mencionaram a importância de contarem com adultos de referência no momento de saída e, apesar de alguns citarem a importância dos educadores, a maioria considerou que não teve o apoio formal que precisavam por parte dos serviços onde moravam na transição para a maioridade.
Um fator relevante é o perfil étnico-racial dos meninos em meninas que estão em serviços de acolhimento e que afetam diretamente suas chances de inserção profissional. Na região sudeste, 70% dos acolhidos são pretos e pardos (CNJ, Sistema Nacional de Adoção, 2020). De acordo com diferentes indicadores sociais (IBGE, 2019), no Brasil há grande desigualdades de oportunidade entre brancos e negros. Tais indicadores incluem: o percentual de pessoas abaixo da linha de pobreza (15,4% de brancos e 32,9% de pretos e pardos), taxa de analfabetismo (3,9% de brancos e 9,1% de pretos e pardos), ocupação de cargos gerenciais (68,6% de brancos e 29,9% de pretos e pardos) e taxa de homicídios por cem mil jovens (34 de brancos e 98,5 de pretos e pardos).
A tecnologia em questão visa acompanhar e facilitar a transição de jovens do serviço do acolhimento para a vida autônoma. Os cinco objetivos específicos, que são realizados através de eixos estruturados são: promover a recomposição de aprendizagem escolar e fortalecimento de vínculos com a escola, desenvolver um projeto de profissão, desenvolver um projeto de moradia, promover cidadania e promover o uso consciente do dinheiro. Ao serem desligados dos serviços de acolhimento pela maioridade, estes jovens precisam ter sustento, saber administrar seus recursos financeiros, necessitam de local para morar e sentir-se pertencentes à comunidade. A garantia destes aspectos possibilita que a vivência da transição do acolhimento para a vida autônoma seja menos traumática, mais cuidada, evitando que sejam encaminhados para situações de extrema vulnerabilidade
Descrição
A TS tem duração de 5 anos para cada jovem participante. Em geral, eles começam a participar com 14 anos e encerram a participação ao completarem 19 anos. A tecnologia parte do princípio de que cada adolescente deve escolher participar ou não. Eles são informados sobre o projeto em um encontro grupal e depois passam por entrevistas individuais para tirar dúvidas e confirmar o interesse. Os adolescentes são, desde o início, escutados em todas as ações e responsabilizados por suas escolhas. Os eixos são trabalhados anualmente: 1º ano: Educação; 2º ano: Qualificação Profissional e Empregabilidade; 3º ano: Empregabilidade, 4º e 5º ano: Moradia. Além do tema central, em cada ano são trabalhados os temas transversais: Identidade, Cidadania e Uso Consciente do Dinheiro. Em todos os anos, cada adolescente participa de 1 encontro temático e 1 saída cultural por mês e de encontros semanais de recomposição de aprendizagem (português, matemática e tecnologia). A partir do segundo ano, além dos grupos e saídas, passam a ter também acompanhamento individual de um técnico de referência que apoia a construção do projeto de vida individual.
Nos encontros temáticos mensais, acontecem discussões grupais acerca de temas relevantes para construção de seus projetos de vida. Cada encontro é planejado considerando a especificidade do que se espera ser desenvolvido com os adolescentes. Exemplo de temas: uso consciente do dinheiro, sexualidade, sonhos, consumo, planejamento familiar, história de vida, autovalorização, uso de drogas, mercado de trabalho, apresentação em uma entrevista, disponibilidade de cursos e vagas de trabalho. Através de atividades dinâmicas e rodas de conversa os encontros trazem informações importantes, fazem refletir e favorecem o desenvolvimento de um lugar de pertencimento e fortalecimento de laços afetivos, contribuindo para a aquisição de habilidades necessárias nessa etapa da vida e construção da identidade, além de facilitar os vínculo e apoio entre pares na passagem para a vida adulta.
As saídas culturais mensais são realizadas em grupo para o mapeamento dos serviços presentes na comunidade (centros culturais, bibliotecas públicas, parques, cinemas, museus) e apresentação de lugares de pertencimento fora do espaço da instituição onde moram. A exploração dos territórios destes jovens contribui para a consolidação do direito à vida comunitária, além de ampliar o olhar a respeito das experiências cotidianas na cidade. As saídas culturais também desafiam os jovens a se locomover de forma autônoma através do transporte público, uma vez que muitos serviços de acolhimento ainda tem uma cultura de levá-los de peruas ou carros próprios a todos os lugares, não ensinando como podem ir de um lugar ao outro sozinhos.
Os encontros individuais são realizados por técnicos de referência que se encontram quinzenalmente com os adolescentes e realizam ações em direção ao desenvolvimento da autonomia e realização dos projetos de vida relacionados à moradia, profissão, uso consciente do dinheiro e cidadania. O vínculo construído com esse adulto é o que possibilita e sustenta o trabalho, além de ser um forte apoio ao adolescente que completa 18 anos e se desliga do serviço de acolhimento.
É importante que a relação seja pautada na franqueza, no respeito, confiança e afeto. O técnico busca entender as principais questões vividas pelo adolescente, auxiliando-o a avaliar, discriminar e problematizar suas necessidades emergentes para construir caminhos para a efetivação de projetos de vida saudáveis.
Essa TS possui 2 instrumentos, um físico e outro virtual, para apoiar os jovens: a agenda nÓs e o Portal Nós no Mundo, que disponibilizam atividades e informações importantes sobre trabalho, moradia, dinheiro, cidadania e identidade para os jovens construírem seus projetos e caminharem para a vida adulta.
Além de todo trabalho direto com os jovens, o Grupo nÓs trabalha articulado com os profissionais dos serviços de acolhimento, realizando reuniões de alinhamento das intervenções a serem realizadas junto aos adolescentes. Essas reuniões também são oportunidades de formação para as equipes dos serviços e compartilhamento das reflexões e metodologia do programa. Através dessa formação, ações que são realizadas pela equipe do nÓs podem ser replicadas autonomamente pela equipe do serviço de acolhimento, que recebe cotidianamente novos adolescentes em sua casa. Para auxiliar a replicação da tecnologia, o programa está sistematizado em um livro chamado "Adolescentes em Transição: o trabalho de preparação para a vida autônoma, fora das instituições", disponível no site do Instituto e impresso.
Outra ponta essencial do trabalho são as parcerias com voluntários, empresas e organizações sociais, que apoiam a construção empoderada dos projetos de vida dos adolescentes, através do oferecimento de empregos, cursos, estágios e atendimento a demandas pontuais, sempre supervisionadas pela equipe do nÓs. Assim, é criada uma rede de apoio que possibilita encaminhamentos consistentes
Recursos Necessários
Para atender 30 adolescentes durante 5 anos (1 ciclo completo):
Bolsa para transporte dos adolescentes e projetos pessoais
Alimentação nos grupos e saídas culturais
Agendas de organização pessoal
Album para registro de histórias de vida dos atendidos
Livros de sistematização da metodologia
Portal Nos no Mundo: www.nosnomundo.org.br - manutenção
Equipe dedicada ao projeto: coordenação do programa, tecnicos psicologos, assistentes sociais
Resultados Alcançados
Os resultados do programa são obtidos a partir de avaliações realizadas a cada trimestre com base nas metas e indicadores desenvolvidos para cada ano e para cada objetivo específico do trabalho. O formulário de avaliação é digital, sendo facilmente compartilhado e preenchido pelos adolescentes. No primeiro ano temos como indicadores o nível de autonomia da circulação dos adolescentes pela cidade, o grau de conhecimento de suas qualidades e talentos, o número de adolescentes que fez um mapeamento das oportunidades profissionais relacionadas ao seu perfil, o grau de organização para os compromissos diários, o mapeamento das possibilidades de moradia e o número de adolescentes que utiliza o dinheiro da bolsa para o transporte referente às atividades do projeto. No segundo ano, alguns dos indicadores presentes na avaliação são: o grau de conhecimento do adolescente das possibilidades de moradia e de desenvolvimento de habilidades necessárias para manter a casa, o número de adolescentes que faz anotações sobre o quanto de dinheiro ganha e gasta por mês, o grau de apropriação que o adolescente tem da cultura, quantos adolescentes estão envolvidos em atividade profissional e o nível de relacionamento do projeto profissional às habilidades e talentos. No terceiro e último ano, contamos com indicadores como o número de jovens que guardam ou investem seu dinheiro, quantos estão trabalhando, o grau de envolvimento com o trabalho, o número de jovens que permaneceram no trabalho por mais de três ou seis meses e o grau de referenciamento do adolescente a um CRAS ou CREAS da sua região.
No ano de 2024, 74 jovens foram atendidos no Programa. Destes, 42% tiveram experiência de trabalho e 43% foram encaminhados para um curso de qualificação profissional. Foram realizadas parcerias com 47 serviços de acolhimento e Repúblicas Jovens. 91% dos jovens fazem a gestão autônoma da bolsa que recebem do Programa e de outros rendimentos que têm acesso. 79% dos jovens atendidos pelo Programa passaram a andar de transporte público sozinhos.Os vínculos de confiança e parceria desenvolvidos entre os adolescentes que participam da tecnologia e com o técnico de referência apontados como o grande diferencial da tecnologia.
Público atendido
Adolescentes
Jovens
Comentários