Objetivo
Criar as condições iniciais para alavancar a mobilização comunitária com vistas a promover o desenvolvimento territorial saudável e sustentável nos quilombos do Morro do Fogo, Barro Vermelho I, Buraquinhos e na comunidade tradicional dos Buracos, localizadas no corredor ecológico que integra a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari e do Parque Estadual Serra das Araras ao Parque Nacional Grande Sertão Veredas, situados no município de Chapada Gaúcha – região norte mineira.
Problema Solucionado
No início do ano de 2018, ao realizar as primeiras reuniões de reconhecimento nas comunidades quilombolas do “Vão dos Buracos” no município norte mineiro de Chapada Gaúcha, para a criação do Território Saudável e Sustentável – TSS Grande Sertão Veredas, deparou-se com uma demanda que se repetiu nas 05 comunidades visitadas: a construção de espaços comunitários onde se pudesse ter o mínimo de conforto e adequação para a realização dos encontros e reuniões de planejamento e desenvolvimento das atividades comunitárias. Como as comunidades não se encontravam suficientemente mobilizadas e não detinham os meios necessários para construírem seus espaços coletivos e como a não titulação/registro da terra (sejam daquelas áreas de posse das famílias, sejam das áreas informalmente doadas/cedidas às associações comunitárias) se constituía num impedimento para acessar recursos públicos para a construção de tais espaços. Adotado o ponto de vista e a demanda da comunidade restava buscar os meios de contemplá-los e fazer deste processo um momento de alavancagem da mobilização das comunidades para o desafio que se colocava: Construir um Território Saudável e Sustentável naquela região, promovendo a melhoria da qualidade de vida dos habitantes locais. A solução deveria ser simples e de baixo custo, que valorizasse a cultura, os conhecimentos e os insumos locais e que proporcionasse uma ambientação confortável, acolhedora e bem climatizada para amenizar o clima quente do sertão. A concepção do formato de oficina/mutirão para a construção dos domos geodésicos e cobri-los com a palha de buriti (um recurso local abundante e de uso tradicional, mas em franco processo de desuso) foi um engenho para contornar tais dificuldades e ainda ativar os conhecimentos tradicionais, junto destes as raízes da cultura ancestral, e animar os potenciais endógenos para a transformação social.
Como é de conhecimento público, os territórios quilombolas e aqueles das comunidades tradicionais, e mesmo das demais comunidades rurais Brasil afora, em sua quase totalidade, não foram titulados e, portanto, os documentos são, em geral, oficiosos (quase sempre os populares contratos de gaveta), que não permitem o registro em cartório, exigência legal para acessar recursos públicos para realizar uma determinada construção de espaço coletivo de interesse social. Diante dessa realidade a grande maioria das sedes ou espaços das associações comunitárias são improvisadas e bastante precárias não criando uma ambiência/atmosfera de acolhimento e conforto que possa estimular a presença e o convívio social, ingredientes necessários para o envolvimento e engajamento em prol de questões coletivas. A Tecnologia Social “Geodésica Sertaneja Multifuncional” apresenta-se como uma solução possível para construção de um espaço coletivo digno para essas comunidades, que além de acolhedor, confortável e belo, seja simples, de baixo custo, que aproveite ao máximo os insumos, conhecimentos, habilidades e competências disponíveis localmente. Sua metodologia permite aos participantes uma experiência integrativa que promove a autonomia, a autoestima, a democracia, o senso de coletividade e a solidariedade constituindo-se num processo de mobilização comunitária com repercussões para além da “obra” em si. Vale registro que a TS Geodésica Sertaneja Multifuncional tendo sido sistematizada no território do Grande Sertão Veredas, naturalmente se utilizou a palha do buriti como insumo local aplicado à cobertura, em função da profusão do mesmo na fitofisionomia das veredas. Ao ser reaplicada em outras regiões poderá ser empregado outros insumos locais na sua cobertura como: piaçava, babaçu, coco catulé, palha santa fé, palmeiras e coqueiros diversos, carnaúba, etc... As ferramentas para o trabalho com a madeira, para a confecção do piso e outras utilizadas na montagem do domo, são bastante comuns no meio rural e encontrar pessoas habilitadas para manipulá-las com destreza é algo corriqueiro nas regiões rurais do Brasil, portanto, mobilizar tais habilidades e competências entre os moradores das comunidades rurais Brasil afora/adentro é tarefa simples e prioritária para o bom andamento da oficina/mutirão de montagem do domo geodésico. O mesmo deve ser dito a respeito da utilização de um determinado tipo de palha disponível localmente e do conhecimento tradicional de como aplicá-la nos processos de cobertura de tetos.
Descrição
Inicialmente é preciso apontar que os domos, abóbodas ou cúpulas e seus diversos processos construtivos datam de longa data e acompanham o desenvolvimento das civilizações históricas. O primeiro domo que fez uso da geometria geodésica (sem, no entanto, adotar esta terminologia) foi construído na Alemanha em 1926 pelo engenheiro Walter Bauersfeld. Já nos anos 1950, o visionário designer, arquiteto, inventor, filósofo e escritor norte americano Richard Buckminster Fuller, sistematizou, nomeou “geodésico” e desencadeou o processo de popularização do que se convencionou como “domos geodésicos”. Devido a tecnologia ter se popularizado a partir da década de 60 (principalmente a partir do movimento Hippie – movimento de contracultura que contestava os valores capitalistas da época e defendia práticas libertárias) e caído em domínio público, hoje existem milhares de domos “geodésicos” utilizando materiais e técnicas construtivas diversas espalhados pelo mundo (estima-se em mais de 300.000 domos), utilizados para as funções mais distintas, de estufas, galinheiros, às residências, de espaços para exposições, planetários e eventos, à espaços culturais, educacionais, práticas corporais, monumentos e outras. Agora, como veremos a seguir, a tecnologia convencional dos domos geodésicos foi adaptada para a construção de espaços comunitários no meio rural brasileiro.
O primeiro repasse metodológico para voluntários do Instituto Rosáceas para a construção do domo geodésico de base icosaédrica, de frequência 6 e com 14 metros de diâmetro e 7 metros de altura foi realizado em 2010, em Sagarana, distrito de Arinos (MG) pelo CERBAMBU que tem vasta experiência na montagem de domos de bambu; e as adaptações promovidas pelo Instituto Rosáceas nos materiais utilizados e nos métodos de aplicação dos mesmos, contaram com o apoio do mestre geodésico Valdo Lima do Vale e buscaram ampliar a segurança, a estabilidade e a resistência da estrutura do domo. Tais adaptações foram práticas e empíricas e se revelaram eficazes ao longo do tempo. Vale registro que a opção pelo domo geodésico de base icosaédrica, de frequência 6, com diâmetro de 14 m e altura de 7 m, deve-se à maior resistência estrutural do mesmo, ao espaço interno adequado para a realização de diversas atividades distintas e também ao formato “arredondado” o suficiente para receber bem a aplicação das telhas de fibra de coco reciclado (que tem como característica oferecer a resistência e a durabilidade desejáveis e uma leve flexibilidade, mas que é suficiente para se moldar à curvatura do domo) e palhas em sua cobertura. A grande contribuição técnica do Instituto Rosáceas com a TS Geodésica Sertaneja Multifuncional diz respeito à solução inovadora, prática e de baixo custo para a cobertura do domo e também a solução que associa a necessidade de suporte para afixação da clarabóia, telhas e palhas com a ampliação da resistência e segurança estrutural do domo via utilização de vergalhões 3/8 que formam uma rede/malha “afixada” à estrutura do mesmo. Com relação à cobertura a solução desenvolvida é simples e eficiente. Primeiro é necessário justificar a necessidade da utilização da clarabóia com a tripla função de escoar as águas das chuvas, permitir a ventilação e a iluminação natural do domo geodésico. Segue-se a necessidade da utilização das telhas na área que circunda o pentágono central localizado no topo do domo – onde será afixada a clarabóia - garantindo assim a continuidade do escoamento das águas das chuvas nesta área com pouco declive (que vai das laterais do citado pentágono central por uma distância de 3,70 m em direção ao piso/solo), lançando-as (as águas das chuvas) sobre a área coberta por palha situadas em um trecho da superfície do domo já com um declive que garante o bom escoamento das águas sobre as palhas. Para manejar e aplicar adequadamente as palhas é fundamental beber nos saberes e fazeres tradicionais. As telhas ecológicas são de aplicação relativamente fácil, e são facilmente encontradas no mercado (as telhas ecológicas de fibra de coco além de oferecer a resistência e a durabilidade desejáveis, ofertam também a flexibilidade imprescindível para a cobertura de superfícies curvas como é o caso do domo geodésico). Cabe ainda uma informação crucial: a estrutura do domo geodésico é dividido em 5 (cinco) águas, cada uma delas sendo delineada a partir das hastes laterais do pentágono central (ver manual). Quanto ao reforço estrutural trata-se da afixação dos anéis destinados à afixação dos materiais utilizados na cobertura, feitos de vergalhões 3/8 soldados nas “espinhas”, também feita de vergalhões 3/8, soldados no núcleo do pentágono central e que descem sobre as linhas de hastes de madeira (que se formam a partir de cada vértice do citado pentágono em direção ao solo) até encontrar o centro de cada um dos 5 pentágonos laterais do domo. As linhas “cruzadas” de “espinhas e anéis” de vergalhões formam então uma “teia/malha” estrutural (após serem soldados nos pontos de contato dos vergalhões entre si) que é, por sua vez, afixada por amarrações de arame recozido (nº14) nos pontos de contato dos vergalhões com as hastes de madeira da estrutura do domo. Assim, a “malha/teia” de vergalhões, “abraça” e amplia a resistência da estrutura do domo. (ver detalhes no manual).
O desenvolvimento da Tecnologia Social Geodésica Sertaneja Multifuncional se insere no movimento de apropriação e popularização dos domos geodésicos e surge no processo de interação com as comunidades quilombolas da rota sócio-eco-literária de longo curso – O Caminho do Sertão – de Sagarana ao Grande Sertão Veredas – evento realizado anualmente pelo Instituto Rosáceas e parceiros regionais, no âmbito do Programa Territórios Saudáveis e Sustentáveis – TSS da Fiocruz – DF, que busca a promoção da saúde integral, o controle social das políticas públicas de saúde, do saneamento rural, da segurança alimentar e nutricional, da segurança hídrica, do fortalecimento cultural e da governança comunitária, da inclusão produtiva via agroecologia e do desenvolvimento sustentável. Neste esforço, o Instituto Rosáceas desenvolve, desde o início das atividades, a cooperação técnica com a tarefa de promover a articulação intersetorial, a mobilização comunitária, a construção de parcerias institucionais e difusão e reaplicação de tecnologias sociais. O desenvolvimento e sistematização da tecnologia social Geodésica Sertaneja Multifuncional ocorreu no ano de 2020, tendo sido o projeto piloto realizado no quilombo dos Buraquinhos com a parceria imprescindível da Agência de Desenvolvimento do Vale do rio Urucuia – ADSVRU e do Centro de Referência das Tecnologias Sociais do Sertão - Cresertão, ambas as instituições com sede em Arinos (MG). Observou-se, a partir de então, uma repercussão positiva nas demais comunidades quilombolas da região. Para a reaplicação da mesma o Instituto Rosáceas se associou à Fundação Conscienciarte com sede em Paracatu (MG) e à Escola Família Agrícola de Natalândia (MG) - EFAN. Destas parcerias resultaram as geodésicas comunitárias da comunidade dos Buracos e dos quilombos do Barro Vermelho I, Morro do Fogo e as duas construídas na EFAN. Em 2022 o Instituto Rosáceas implantou duas outras geodésicas, sendo uma destinada à formação continuada dos agentes populares desenvolvida no âmbito do projeto Território Saudável e Sustentável Grande Sertão Veredas - a “Quilombaria – Ponto de Cultura e Educação Popular”- no povoado de Serra das Araras – que também é a subsede do Instituto na região e uma segunda no quilombo do Morro do Fogo numa base de apoio familiar ao Turismo de Base Comunitária do Caminho do Sertão. Associado às geodésicas foram implantadas as cozinhas comunitárias e, em 4 delas, foram construídos banheiros acoplados à tecnologia social Fossas de Evapotranspiração (TVAP). O projeto completo das unidades comunitárias das Geodésicas Sertanejas Multifuncionais prevê ainda a implantação de usinas solares (a primeira já foi implantada no quilombo dos Buraquinhos) e as estações digitais com disponibilização de sinal de internet de qualidade, unidades demonstrativas de agroecologia e de patrulha de equipamentos agrícolas adaptados à produção da agricultura familiar (vários desses equipamentos já foram disponibilizados para as comunidades e outros encontram-se em processamento junto à Codevasf). Assim, cada geodésica sertaneja se consolidaria como “Ponto de Cultura e Educação Popular”. Tais projetos estão sendo construídos com a colaboração de parceiros diversos articulados pelo Instituto Rosáceas, a quem compete, no âmbito das ações do Território Saudável e Sustentável, a tarefa de realizar as articulações intersetoriais. Dentre os parceiros merece destaque as Associações comunitárias organizadas em cada uma das comunidades que desde a primeira edição do Caminho do Sertão em 2014 se apresentaram interessadas em acolher e interagir com os caminhantes, apresentando suas manifestações culturais e cuidando da cozinha e dos acampamentos. A parceria privilegiada das associações comunitárias com o Caminho do Sertão foi incorporada à discussão e planejamento de uma intervenção de longo prazo que viesse ao encontro das aspirações comunitárias de promover uma melhor qualidade de vida para os comunitários. Este processo de discussão e construção coletiva desembocou na proposta da Criação do Território Saudável e Sustentável Grande Sertão Veredas onde as decisões das proposições, ações e encaminhamentos são tomadas de maneira compartilhada entre as lideranças comunitárias, os voluntários do Instituto Rosáceas e demais parceiros que circulam periodicamente pelas comunidades. Tais procedimentos de interação, participação e construção coletivas constituem os pilares da metodologia da oficina/mutirão para a construção dos domos da TS Geodésica Sertaneja Multifuncional, que associados à valorização das habilidades, competências e saberes tradicionais viabilizam um ambiente de participação orgânica, sendo o protagonismo descentralizado da figura do “instrutor” (aqui denominado oficineiro social) e equitativamente distribuído ao conjunto dos participantes, estimulando um ambiente de autonomia, responsabilidade com o coletivo e autogestão. Consideramos que esses princípios organicamente articulados na metodologia da construção da tecnologia social, criam um forte vínculo de pertencimento e apropriação dos participantes com o objeto final (o domo transformado em espaço comunitário) e produzem um impacto muito positivo que repercute na autoestima e na motivação individual e coletiva dos participantes. O tempo de duração das oficina/mutirão é consideravelmente curto. Estando todos os materiais, equipamentos e ferramentas disponíveis no local de implantação da geodésica sertaneja e contando com um grupo de 10 ou mais pessoas envolvidas e comprometidas na construção, calcula-se um período de 15 a 20 dias para a conclusão da tarefa. Neste curto espaço de tempo, o planejamento da oficina, as pactuações da divisão das tarefas e responsabilidades e o monitoramento do conjunto das atividades devem ser realizados durante todo o processo, exigindo diariamente, na abertura e no fechamento das atividades uma avaliação coletiva para ir corrigindo possíveis falhas em tempo real. Apesar do curto período da implantação da tecnologia social, como o processo é muito intenso e impactante para os participantes , verifica-se uma ressonância entre os participantes, que ultrapassa o período de realização da oficina/mutirão, tendendo a se espalhar e alcançar a maioria dos moradores locais. Aqui se apresenta um ingrediente fundamental para os processos de transformação social: uma disposição coletiva e solidária, ativada e mobilizada. O monitoramento da segurança, da estabilidade e resistência estruturais do domo vai sendo feito ao longo do tempo, junto com a própria comunidade, a cada atividade realizada naqueles espaços comunitários, principalmente com a colaboração daqueles comunitários que participaram diretamente da construção e, portanto, dominam as informações e conceitos básicos sobre o processo construtivo. Tais tarefas de monitoramento e avaliação do domo ocorre de maneira natural pois os elementos constitutivos da estrutura do domo (hastes e conexões), as forças de integração, interdependência, sinergia e responsabilidade solidária que atuam na estrutura do domo e a importância do reconhecimento e aplicação do conhecimento, habilidades e competências presente nos saberes e fazeres locais, são permanentemente utilizados para ilustrar a maneira como os membros da comunidade devem se posicionar e atuar para se alcançar o bom encaminhamento e bons resultados nas várias frentes de ação que integram o desafio de desenvolvimento Saudável e sustentável do território. Pode-se dizer então que tais elementos, conceitos e relações constitutivas da tecnologia social Geodésica Sertaneja Multifuncional são “onipresentes” nestes espaços comunitários e, uma vez apropriados pelas lideranças, facilitam a compreensão da necessidade e da qualidade do engajamento de cada pessoa para se alcançar os objetivos e desafios presentes em cada frente de ação ou projeto.
A TS Geodésica Sertaneja Multifuncional trata-se de uma alternativa arquitetônica, de construção sustentável e de baixo custo. A oficina de repasse metodológico e prático dessa tecnologia permite às comunidades envolvidas ter acesso a um espaço comunitário construído com a participação efetiva dos moradores locais, espaço que tem sido utilizado para atividades diversas de interesse comunitário. As técnicas de construção são derivadas dos saberes e fazeres tradicionais, como a cobertura a base de palha de buriti (já quase em desuso na região) articulados ao saber acadêmico/científico, no caso, os cálculos precisos (de domínio público) para a construção do domo geodésico. A concepção da estrutura do domo geodésico valoriza os conceitos de versatilidade, flexibilidade, eficiência energética e leveza estrutural. Uma das muitas propriedades interessantes do domo geodésico é a chamada “democracia estrutural” - a qualidade de construções com grande número de elementos de igual importância de sustentação. Outro conceito de engenharia usado pelos domos geodésicos é o da “tensegridade”, a mescla de forças de tensão e compressão (“esticar” e “apertar”) numa mesma estrutura, o que ajuda a criar sistemas leves e resistentes. O fato de ser inteiro composto por triângulos, além da democracia estrutural e da tensegridade, faz dos domos geodésicos estruturas bastantes resistentes para o tamanho do vão que apresentam. Ao conectar esses conceitos à geometria energético-sinergética e buscando harmonia com os elementos da natureza onde reina a sinergia e a interdependência de todas as coisas. O domo geodésico trata-se, de fato, de um modelo estrutural muito interessante: sua forma esférica proporciona um ambiente acolhedor e confortável, com ótima acústica, boa climatização e circulação de ar – qualidades providenciais nesses tempos de mudanças climáticas e aquecimento global. Vale registro a grande beleza estética do mesmo devido aos padrões geométricos associados à cobertura de palha de buriti. De fácil montagem, sua construção é limpa e rápida, não deixando quase nenhum resíduo. Tem custo baixo devido à utilização de insumos e práticas locais, à quantidade reduzida de materiais empregados e da utilização de mão de obra voluntária através da oficina/mutirão. Sua resistência e estabilidade estrutural são obtidas pela distribuição homogênea das forças atuantes na malha que constitui o corpo do domo.
Enfim, o processo construtivo de sua estrutura revela-se bastante didático e amplamente acessível a qualquer gênero e diferentes idades. Revela-se bastante apropriado ao processo de mobilização social pois o passo a passo da montagem e cobertura do domo geodésico e a própria articulação das relações entre os seus componentes ilustram as qualidades intrínsecas das interações sociais solidárias, colaborativas e sinérgicas que se encontram na base dos processos de transformação social. Como exemplo poderíamos citar que na montagem do domo, de frequência 6, como é o caso das Geodésicas Sertanejas Multifuncionais implantadas nas comunidades quilombolas do TSS Grande Sertão Veredas são utilizadas nove (9) tamanhos distintos de varas/hastes de madeira, e cada uma delas deve estar colocada e afixada (parafusada) no seu devido lugar para garantir a montagem correta da estrutura do domo, (se alguma delas for colocada fora do seu lugar a estrutura não fecha, não podendo ser concluída) assim também cada uma das pessoas participantes da oficina deve estar no seu devido lugar, colaborando com autonomia e responsabilidade, cumprindo a função que foi pactuada coletivamente no início da oficina/mutirão, para que a tarefa da montagem do domo possa ser executada a contento. Tais relações devem ser refletidas, avaliadas, compreendidas e, partindo da vivência e da experiência prática do grupo participante da oficina/mutirão, potencialmente estendidas às práticas comunitárias de maneira geral, alcançando o funcionamento da comunidade como um todo, para que se possa, assim, vislumbrar as qualidades das interações empáticas que permitiriam alcançar o bem viver comum. A difusão da tecnologia social Geodésica Sertaneja multifuncional adota o formato de oficina/mutirão e disponibiliza manual técnico para o passo a passo da montagem do domo, da confecção do piso à cobertura.
Recursos Necessários
40 sacos de cimento; 1.250 tijolos furados ou adobes; 08 metros de areia; 3,5 metros de areia saibrosa; 05 metros de brita; 58 barras de vergalhão 3/8; 56 parafusos sextavados nº 10 com bucha (para afixação da estrutura do domo ao piso, sendo o concreto do piso de boa qualidade, melhor utilizar o parafuso parabold 3/8); 5 Kg arame recozido n° 14; 20 Kg de arame recozido nº 18; 50 eletrodos de 2,5; 180 m² de malha “Q” para confecção do piso (opcional, pois uma boa massa de concreto pode dispensar o emprego da malha); 44 telhas ecológicas Stilo Verde 2m X 0,95 m marca onduline; 200 Ganchos para afixação das telhas ecológicas; Palhas de 100 pés de buriti; 50 m fio 06; 10 tomadas de louça; 1 lâmpadas Led bulbo 100w E27 Bivolt 6500k, cor da luz: branco frio; 300 peças de perfil de eucalipto perfilado tratado 4 cm de diâmetro X 4,00 m (tendo a opção de utilização de madeiras colhidas na localidade, com as características de durabilidade e resistência); 06 peças de eucalipto 14x16 de 3,20m (tendo a opção de utilização de madeiras colhidas na localidade); 700 parafusos sextavados, de ¼, rosca inteira, de 6 cm de comprimento, com porca; 1430 arruelas para o parafuso de ¼; 18 m de cantoneira 1 1/2 X 1/8 para confecção da clarabóia; 10 metros de plástico rígido translúcido para cobrir a clarabóia; 01 jogo de conexões metálicas contendo 192 peças cada jogo, perfazendo 160 peças de seis pontas, 6 peças de 5 pontas e 30 peças de 4 pontas, sempre com dois furos em cada ponta e angulação de 5 graus de cada ponta em relação ao centro da peça (peças confeccionadas com barra chata 1 1/2 X 3/16 ) – Ver detalhamento das formas e das dimensões no manual; 04 tubos de adesivo selante silicone de 380 g; 04 parafusos de 20 cm com arruelas e roscas; 05 rolos de fita asfáltica adesiva aluminizada 10 cm por 10 m.
OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: Os vergalhões também podem ser substituídos por varas de madeira retiradas na localidade, desde que comprovadamente flexíveis para se adaptar à curvatura do domo, resistentes e duráveis para cumprir a dupla função de suporte para telhas e palhas e para o reforço estrutural do domo.
Equipamentos de segurança EPI’s: (luvas, óculos; cintos de segurança, botinas, capacetes, 01 máscara de soldador, máscaras de proteção N 95 (os quantitativos de Epi´s terão relação direta com o número de participantes da oficina/mutirão)
Equipamentos/ferramentas: 20 metros de andaimes, preferencialmente com rodinhas; 01 serra de corte de bancada, 01 furadeira de bancada, 02 parafusadeiras, 01 máquina de solda, 01 arrebitador, alicates, chaves de fenda, fita isolante,10 chaves de boca nº 10, turquês, martelo; 01 betoneira, carrinhos de mão, réguas e colheres de pedreiro, enxadas, alavancas, pás (na medida da necessidade os equipamentos elétricos podem ser substituídos por equipamentos manuais, exceto a máquina de solda (os quantitativos de ferramentas terão relação direta com o número de participantes da oficina/mutirão e com a divisão de funções pactuada).
Quanto ao pessoal necessário para a realização da oficina/mutirão: de 10 a 15 pessoas e um oficineiro social polivalente que domine todas as técnicas aplicadas na construção e cobertura do domo e um auxiliar experiente.
Resultados Alcançados
Já foram implantados 8 domos da Tecnologia Social Geodésica Sertaneja Multifuncional sob a coordenação do Instituto Rosáceas, 6 nas comunidades quilombolas do Território Saudável e Sustentável – TSS Grande Sertão Veredas que se constituíram em espaços comunitários e duas outras na Escola Família Agrícola de Natalândia, uma delas funcionando como “Espaço Cultural” e a outra como restaurante da escola.
As geodésicas implantadas nos quilombos tem sido utilizadas para as mais diversas funções que estimulam o fortalecimento da organização e governança comunitárias: reuniões, audiências públicas, ações sociais e emergenciais, cursos, capacitações, cultos religiosos, celebrações diversas, confraternizações, ensaios das expressões culturais tradicionais, apresentações culturais para o público local e para visitantes, acolhimento de turistas em barracas de camping, armazenagem provisória de produtos agroextrativistas, outros eventos e outras atividades demandadas pela comunidade e alcançam 300 famílias beneficiadas. O público diretamente beneficiado pela TS na Escola Família Agrícola de Natalândia é em torno de 900 pessoas, sendo que 350 pessoas utilizam diariamente o restaurante (atentar que a escola funciona em regime de alternância, portanto, este quantitativo deve ser acrescido em 250 pessoas). O mesmo contingente utiliza periodicamente o centro cultural.
Vale registrar que como resultado da implantação das Geodésicas Sertanejas Multifuncionais e da apropriação das mesmas pelas comunidades, os processos de mobilização e governança sociais foram alavancados e avançaram, em graus distintos, para o envolvimento autônomo e solidário dos comunitários com o propósito mais amplo de promover a autogestão em governança comunitária num território saudável e sustentável no Grande Sertão.
As ações articuladas sob o guarda-chuva do projeto “Território Saudável e Sustentável Grande Sertão Veredas”- que tem nas geodésicas sertanejas os pontos de referência em cada uma das comunidades – são continuadas - acompanhadas e avaliadas em reuniões bimensais realizadas na sede da Fiocruz em Brasília (DF), com a participação dos principais colaboradores e também em reuniões e encontros periódicos com as lideranças nas comunidades e/ou em eventos regionais, nas diversas frentes e projetos em curso no território (mulheres, abastecimento de água, agroecologia, cozinhas comunitárias, segurança alimentar e nutricional, saneamento, saúde integral, inclusão digital, inclusão produtiva, fortalecimento cultural, turismo de base comunitária, equipamentos de apoio à agricultura familiar, luta pela posse da terra, etc).
Cabe aqui uma reflexão de como e com quais indicadores avaliar os impactos sociais da implantação das Geodésicas Sertanejas Multifuncionais: para além das qualidades intrínsecas à estrutura física do domo geodésico em si, apuradas empiricamente (leveza, simplicidade, baixo custo, estabilidade, resistência, segurança, conforto, boa acústica e boa climatização) é fundamental computar e mensurar o aspecto subjetivo da mobilização resultante da construção de cada domo geodésico, a importância do quantitativo de eventos realizados nestes espaços, bem como mensurar os aspectos qualitativos relativos aos mesmos.
No caso específico da implantação das Geodésicas Sertanejas Multifuncionais no âmbito do processo de implantação e desenvolvimento do “Território Saudável e Sustentável Grande Sertão Veredas”, é preciso considerar que estamos diante de um contexto de múltiplas ações em rede, promovidas com a colaboração de atores diversos articulados em parcerias intersetoriais, também concertadas em rede, num território particular. Este diferencial influencia diretamente a percepção da importância da Tecnologia Social que foi o fator que desencadeou todo o processo, animando e mobilizando os atores das comunidades envolvidas. Considerando a contribuição do processo de construção participativa/colaborativa das oficinas/mutirão de Construção da TS Geodésica Sertaneja Multifuncional na alavancagem do engajamento pessoal e coletivo no Território Saudável e Sustentável Grande Sertão Veredas, podemos inferir que a mesma metodologia da TS aplicada em pequenas comunidades rurais, quilombolas, tradicionais ou outras, gerará, em graus distintos, os mesmos resultados positivos, a depender, caso a caso, do histórico e das especificidades dos contextos locais/regionais nos quais a comunidade encontra-se inserida. A percepção dos parceiros envolvidos nas ações concretas no TSS Grande Sertão Veredas e os depoimentos colhidos junto aos comunitários que participam destas ações, subsidiam tal inferência.
Público atendido
Adolescentes
Adulto
Afrodescendentes
Agricultores Familiares
Crianças
Famílias de Baixa Renda
Mulheres
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