Objetivo
Promover o fortalecimento de iniciativas solidárias de inclusão sócio-produtiva sustentável de famílias agroextrativistas com base no protagonismo das mulheres. As cozinhas adjetivadas como coletivas adquirem o significado de espaço de produção e compartilhamento de conhecimento para o exercício de uma autonomia e empoderamento construídos em conjunto.
Problema Solucionado
A realidade atual dos territórios ocupados por agroextrativistas na Amazônia apresenta muitas fragilidades, sendo a principal delas a falta de regularização acerca de seu uso pelas populações locais, dificultando a inserção socioprodutiva das famílias. Ademais, a realidade desses territórios é caracterizada pela existência em grande escala de atividades ilegais de exploração dos recursos naturais da região, enfraquecendo o ecossistema e a biodiversidade, bem como elevado número de famílias em situação de extrema pobreza.
Dentre as cadeias produtivas agroextrativistas de importância para as famílias, que constituem fonte de renda e segurança alimentar, destaca-se a produção do açaí nativo. Sua produção deixou de atender somente a base alimentar das famílias para se tornar um item da lista de desejos para o consumo inclusive internacional, com potencial transformador na realidade organizativa e financeira das comunidades produtoras, transformações ocorridas principalmente na última década.
Contudo, o envolvimento das mulheres nessa discussão ainda é bastante restrito. Alguns estudos, em diferentes contextos no meio rural, mostram que o trabalho das mulheres têm significados para além da obtenção da renda e que suas práticas de gestão de recursos florestais são importantes para a manutenção da biodiversidade e da conservação, mesmo convivendo com a reduzida consideração de seus trabalhos em diferentes espaços da vida social. No interior de cada família do meio rural, os indivíduos (homens e mulheres) convivem com pontos de vista distintos, aspirações diferentes, seja pela sua condição de gênero ou por seu status na posição etária (Mota, 2014).
Da mesma forma, as atividades organizadas diariamente dentro da família envolvem diferentes aspectos (ciclo de vida, tempo para realizar as tarefas, etc) para que cada sujeito possa desempenhá-la e isso se expressa em papéis sociais e oportunidades também diferentes entre os gêneros. Não há como dissociar as categorias “família” e “trabalho”, pois é no contexto dos planos da família que as múltiplas atividades exercidas por elas ganham sentido e que as tarefas realizadas podem ser compreendidas como “produtivas” (Amaral, 2016).
Desse modo, na organização dos sistemas agroextrativistas - que requer decisões importantes no âmbito da família e da comunidade -, não se pode negligenciar a participação das mulheres nas discussões e decisões sobre os usos dos recursos naturais, do controle e dos benefícios gerados pelo aproveitamento da floresta. Contudo, na prática, ainda prevalecem fatores culturais que reforçam às mulheres lugares econômicos, sociais e políticos diferenciados sob os marcos da exclusão (Amaral, 2007). Por isso, torna-se essencial incentivar formas de inclusão e valorização social dos conhecimentos, das práticas de trabalho e dos pontos de vista das mulheres nesse processo.
Descrição
Ao longo dos anos, o Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB tem atuado no fortalecimento de processos de organização coletiva e social, com o objetivo de facilitar a inclusão sócio-produtiva de mulheres de diversos territórios na Amazônia. Seus esforços são voltados para que mulheres ribeirinhas, indígenas, quilombolas, agroextrativistas, entre outros grupos, sejam reconhecidas como protagonistas nos processos de desenvolvimento socioambiental e na realização de atividades ligadas às economias da sociobiodiversidade.
A Cozinha Agroextrativista Iaçá, criada em 2018, é situada na comunidade de Santo Ezequiel Moreno, no município de Portel, no arquipélago do Marajó, no estado do Pará. A comunidade ribeirinha localiza-se aproximadamente a uma hora “de viagem” fluvial da sede do município e está localizada às margens do Rio Acutipereira, fazendo parte do Projeto Estadual de Assentamento Agroextrativista (Peaex) Acutipereira. Nesse local, os/as agroextrativistas têm histórico de pressões sobre o seu território dado o grande potencial florestal e de recursos naturais nele presente (PAIVA et al. 2017).
Portel apresenta um dos piores resultados no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, atingindo apenas 0,483. O município compõe a lista dos municípios críticos da Amazônia que contribuem para o desmatamento no estado, sendo que em 2021 ocupou o nono lugar entre os dez municípios que mais desmataram aquele ano e, em 2022, ocupou o quinto lugar na referida listagem em relação aos dez municípios da Amazônia Legal que mais desmataram até junho de 2022.
Os moradores têm constituído estratégias de enfrentamento a esse quadro por meio de ações de produção e consumo mais respeitosas com o meio ambiente e de cuidado com a saúde. Dentre elas, a recuperação dos açaizais nativos, a implementação de sistemas agroflorestais, a constituição do Fundo Solidário Açaí, iniciativa local de arrecadação solidária e autogestionária, voltada à melhoria das condições sociais, de infraestrutura e diversificação econômica e produtiva das famílias da Comunidade Santo Ezequiel Moreno.
Outra situação preocupante é quanto à segurança alimentar e nutricional. Até pouco tempo a alimentação servida à mesa aos alunos/as da única escola da comunidade de Santo Ezequiel Moreno incluía, principalmente, produtos industrializados e de poucos nutrientes (sucos artificiais, biscoitos, mortadela, charque e enlatados), proporcionando o distanciamento entre o alimento e a natureza e desconectando os consumidores de seu universo biocultural.
Em 2017, as famílias foram convidadas a ampliar a oferta de seus produtos para seis escolas através da venda ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que incentivam a participação de produtos da agricultura familiar, com alimentos in natura e/ou os semi elaborados. No entanto, os moradores perceberam que a comunidade não dispunha de condições necessárias de infraestrutura para o beneficiamento da produção, armazenamento e o transporte e por isso não podiam honrar com o compromisso de abastecer as seis escolas.
Uma das respostas para superar essa lacuna foi o projeto “Mulheres Marajoaras: inclusão produtiva e sustentabilidade”, realizado pelo IEB de 2017 a 2019 em parceria com o Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Portel/Pa (STTR – Portel), com o objetivo de fortalecer as práticas das atividades produtivas locais realizadas pelas famílias com foco no protagonismo feminino. O projeto também buscou contribuir para o conhecimento das estratégias de segurança alimentar e nutricional que visassem a manutenção e diversificação dos ingredientes da cultura alimentar local sem uso de agrotóxicos, assim como (re) conhecer e valorizar a inserção produtiva de mulheres, empoderando-as e lhes possibilitando um lugar no debate local de desenvolvimento socioeconômico e ambiental.
Com o apoio do Fundo Solidário Açaí e do Projeto “Mulheres Marajoaras”, em meados de 2018 ocorreu a construção da cozinha agroindustrial na comunidade Santa Ezequiel Moreno, batizada pelos moradores de Cozinha Coletiva Agroextrativista Iaçá em referência ao principal produto manejado pela comunidade: o açaí. Com a instalação de equipamentos, utensílios domésticos e capacitações realizadas pelo projeto no mesmo ano, o espaço se tornou uma referência local e municipal.
Atualmente o grupo de mulheres utiliza a cozinha para o beneficiamento de vários produtos, advindos da roça, mata, quintais e do rio para atender a demanda da prefeitura, além de garantir ingredientes saudáveis no cardápio escolar local e ampliar possibilidades de autonomia financeira e empoderando-as, ao garantir um lugar social relevante no debate local de desenvolvimento socioeconômico e ambiental.
Três anos após a criação da cozinha Iaçá, em novembro de 2021, outra cozinha agroextrativista surge: a Cozinha Coletiva do Beira Amazonas, situada no estado do Amapá. O nome da cozinha faz referência à sua localização: trata-se de uma região que concentra 26 comunidades agroextrativistas, que se autodenominam comunidades do “Beira-Amazonas”, estando localizadas na margem direita do Rio Amazonas, numa área onde as águas dos rios Macacoari e Amazonas se encontram. O Beira Amazonas está sob a jurisdição de dois municípios - Itaubal e Macapá – e distante cerca de uma a duas horas “de viagem fluvial” em relação à capital do estado, Macapá. As principais práticas produtivas para a segurança alimentar e comercialização dos moradores do Beira Amazonas são a coleta do açaí, a pesca e a agricultura.
A iniciativa é parte de um processo mais amplo, desenvolvido pelo IEB desde 2014 no estado do Amapá, com o intuito de colaborar para o fortalecimento das organizações da sociedade civil. A partir daquele ano, um conjunto de projetos desenvolveu ações formativas e no seu decorrer, debates acerca de ações produtivas protagonizadas pelas mulheres foram emergindo, sendo que um componente estratégico e operacional era ter a Escola Família Agroecológica do Macacoari como referencial físico que favorecesse a produção coletiva.
A partir de 2019, o IEB começou a atuar de forma mais pragmática com o público específico de mulheres no Amapá e foi nesse contexto que a construção da cozinha foi planejada. As mulheres dessas comunidades organizaram-se para discutir a produção, as boas práticas e a comercialização de produtos retirados da floresta e vislumbraram a oportunidade para a melhorar as condições de segurança alimentar e geração local de renda.
A cozinha conta com outros equipamentos públicos em seu entorno, tais como uma escola e um centro de atividades. O espaço possui infraestrutura adequada para o trabalho coletivo e está situado em um local acessível para as seis comunidades envolvidas, com deslocamento que varia de 10 a 40 minutos de “viagem fluvial” por rabeta - um tipo de canoa motorizada.
Recursos Necessários
Instalações e Equipamentos:
- Instalação de espaço físico para o funcionamento da cozinha;
- Instalação de placa solar fotovoltaica;
- Equipamentos e utensílios de cozinha;
- Móveis;
- Equipamentos eletrônicos (Smartphone, Computador e impressora).
Materiais e Insumos
- Kit de Equipamentos de Proteção Individual;
- Camisas e avental;
- Kit de marca da cozinha e embalagens;
- Banner e catálogo de apresentação.
Formação e Assessoria
- 120 horas de Formação Continuada em Gênero e Gestão de Empreendimentos comunitários;
- Assessoria em marketing e visibilidade
Resultados Alcançados
Os percursos de criação das cozinhas coletivas Iaçá e Beira Amazonas expressam o protagonismo de sujeitos coletivos distintos, mas articulados em uma agenda comum. Um destes sujeitos é o IEB, pois estas duas cozinhas coletivas e os processos a ela associados – como a organização de coletivos de mulheres, a dinamização da economia de base e a incidência em políticas públicas estruturantes, representa as estratégias de atuação do IEB de apoio e fortalecimento em processos de organização coletiva e social de famílias agroextrativistas, com base no protagonismo feminino, de maneira a contribuir para a inclusão sócio-produtiva de mulheres, considerando a questão de gênero e a garantia de direitos a meninas e mulheres.
Outro sujeito coletivo tem um evidente protagonismo no nível local, o qual também se expressa e materializa nestas cozinhas. As duas iniciativas envolvem diretamente sete comunidades, situadas em territórios com sérios problemas de acesso à estrutura básicas de saúde, água de qualidade e saneamento, que se somam a outros problemas como a ausência ou o baixo acesso a recursos para desenvolvimento de estratégias de inserção produtiva e apoio para mulheres nas estratégias econômicas da bioeconomia e que fortaleçam a justiça social e sustentabilidade.
Neste contexto de profundas desigualdades, as pessoas destas comunidades, por meio das formas associativas que lhes são possíveis, buscam colaborar para acabar com a fome em seus municípios, melhorar os indicadores de segurança alimentar e nutrição; promovem a sustentabilidade da agricultura por meio de sistemas que estão diretamente relacionados à sua ocupação centenária dos territórios onde vivem e que são os mais adequados para a produção de alimentos saudáveis e garantir a qualidade da terra dos solos.
Porém, é preciso destacar que estas pessoas têm identidades e que, nos casos aqui relatados, são as mulheres em suas lutas cotidianas pelo seu empoderamento, pela equidade de acesso aos direitos econômicos, que lhes possibilita igualmente acesso aos seus direitos políticos, porque favorece com que progressivamente adquiram autonomia nas relações familiares, comunitárias e em suas formas de associação e organização coletiva.
Público atendido
Agricultores familiares
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