Problema Solucionado
Com 140 mil moradores, a Maré é o 9º bairro mais populoso e o maior conjunto de favelas da cidade. O que impõe a necessidade de um censo local está relacionado, pelo menos, a quatro ordens de questões: busca por informações mais específicas, a escala de representatividade das informações levantadas por métodos amostrais, a confiabilidade dos dados coletados em favelas e espaços assemelhados e a necessidade de se intervir no campo das representações. Ainda persistem inúmeros vieses metodológicos nas pesquisas realizadas em favelas. A maior parte provém da imprecisão das bases cartográficas, mas não há como ignorar, também, a existência de vieses decorrentes de juízos sobre a favela que afetam desde o planejamento da pesquisa até a realização da entrevista, como a construção de pressupostos marginalizantes que dificultam ou impedem a abordagem do público. O processo de estigmatização é um dos inúmeros reflexos históricos de como as favelas vêm sendo concebidas e representadas, desde o seu aparecimento, em diferentes campos do imaginário social. Neste sentido, percebe se em diversas pesquisas nestes territórios, a presença de uma série de pressupostos discriminatórios.
Descrição
O Censo Maré foi motivado pelo desejo de formulação de um plano de desenvolvimento sustentável para o território, que estivesse subsidiado por informações socioeconômicas atualizadas e específicas sobre as condições de vida da população local.
A primeira etapa do projeto consistiu na revisão da base cartográfica oficial do território. Esta ação se fez necessária a partir da constatação de que as malhas digitais disponibilizadas tanto pela Prefeitura quanto pelo IBGE apresentavam inúmeras divergências quanto à disposição e à nomenclatura de grande parte dos logradouros.
No curso desta ação, representantes das 16 associações de moradores que compõem o conjunto de favelas da Maré estiveram mobilizados no fórum denominado “Maré que Queremos”, com o objetivo de pactuar o mapeamento dos limites entre as favelas e a nomenclatura dos logradouros, evitando, assim, qualquer arbitrariedade no que tange a vivência e organização das respectivas comunidades. Estudantes moradores da Maré foram investidos como agentes de campo e, sob a orientação de técnicos em cartografia e geoprocessamento, mapearam 815 logradouros, dos quais mais da metade não constava nas bases oficiais, e mais de 100, entre becos e travessas, não tinham nome conhecido pelos moradores. Além disso, apesar da progressiva revisão e criação de CEP’s pelos Correios, constatou-se que as associações de moradores e a população continuavam, muitas vezes, utilizando CEP’s gerais ou de logradouros próximos, por desconhecerem os novos.
Assim, o primeiro produto da ação foi o Guia de Ruas da Maré, editado em 2012, com plantas, CEP’s e histórico das comunidades. Em 2014, a 2ª edição incluiu novos CEP’s e principalmente, nomes para logradouros, que foram escolhidos pelos residentes, através de consultas públicas promovidas pelas associações de moradores.
A continuidade do projeto se deu com a realização do Censo de Empreendimentos Econômicos e do Censo Domiciliar, cuja meta de cobertura mínima foi definida em 92%, conforme padrões internacionais de levantamentos censitários. Mais moradores da Maré foram selecionados para atuar como pesquisadores, supervisores, revisores e analistas. Ambas as pesquisas foram realizadas mediante entrevista presencial.
O Censo de Empreendimentos contou 3.182 estabelecimentos comerciais na Maré e incluiu informações sobre fornecedores, perfil dos clientes, instrumentos de crédito, qualificação técnica, composição da mão-de-obra, condições para funcionamento e expansão etc. A coleta de dados exigiu estratégias variadas e, quase sempre, mais de uma visita ao estabelecimento, pois o predomínio da informalidade conferiu características especiais à pesquisa.
Ao fim desta ação, foi lançada, em 2014, a publicação Censo de Empreendimentos Maré, composta por um Relatório de caracterização da economia local, a partir dos dados tabulados e analisados, e pelo Catálogo de Comércios e Serviços da Maré, um guia de utilidade pública, no qual são divulgados, com autorização do respectivo empreendedor, o nome, a localização e o telefone e/ou URL de 2.469 estabelecimentos, agrupados segundo o ramo de atividade. Na sequência, foi realizado o 1º Seminário de Empreendedores da Maré, onde foram apresentados os resultados da pesquisa e debatidos limites e possibilidades do microempreendedorismo no bairro. O Seminário também contou com a presença de líderes comunitários, de representantes do SEBRAE e de gestores do Programa Rio Mais Social, do Instituto Pereira Passos, órgão da Prefeitura do Rio de Janeiro. A partir das indagações dos empreendedores, o SEBRAE convocou e organizou um segundo encontro, realizado 14 dias após, na Redes da Maré, com o intuito de apresentar caminhos para o aprimoramento e a formalização dos empreendimentos locais.
No âmbito do Censo Domiciliar foram contados 46.934 domicílios ocupados. Os 43.179 domicílios com entrevista realizada contavam com 128.950 moradores, o que permite estimar a existência de 140.359 moradores em toda a Maré. Esta ação encontra-se em fase conclusiva de processamento e tabulação de dados, porém, os resultados preliminares já se encontram disponíveis para as instituições parceiras. A publicação com os resultados definitivos e análise está prevista para o 3º trimestre do corrente.
Todo o projeto baseia-se no envolvimento e/ou capacitação dos moradores da Maré e estreita parceria com as Associações de Moradores. A metodologia do Censo Maré, por seguir rigorosamente procedimentos técnicos adotados por órgãos oficiais, como o IBGE, possibilita ser replicada em outros espaços populares. Todas as publicações são disponibilizadas gratuitamente. Os dados permitem inúmeros desdobramentos, pois podem subsidiar pesquisas suplementares, planos de desenvolvimento territorial, ações de instituições públicas ou privadas etc. São exemplos de informações levantadas a identificação de crianças fora de escola, a condição socioeconômica das mulheres, o perfil e demandas dos microempreendedores, entre muitas outras.
Recursos Necessários
Base cartográfica do território digitalizada e sistema de informações geográficas para leitura de shapefiles (ambos os itens são obtidos gratuitamente), programa de entrada e armazenamento de dados, programa de estatística, material de escritório e papelaria, computadores, impressora, copiadora, equipamentos de proteção individual e acessórios para trabalho de campo, espaço físico para equipe técnica, espaço físico para reuniões com lideranças comunitárias, material de divulgação e mobilização comunitária, editoração e impressão gráfica.
Resultados Alcançados
1. Aperfeiçoamento da base cartográfica da Maré. A partir da base digital utilizada pelo Instituto Pereira Passos e pelo IBGE, foram realizados atualizações e acréscimos. Em função de um Termo de Cooperação Técnica, os shapefiles foram entregues para serem incorporados à base cartográfica oficial do município;
2. Publicação do Guia de Ruas da Maré, em 2012. Esta iniciativa contrapõe a ideia de que a favela é o dito “aglomerado subnormal” ou a ”ocupação desordenada”. O Guia inclui histórico das comunidades, plantas, nome dos logradouros e CEP’s. Uma edição revista e atualizada foi lançada em 2014. Este guia é hoje utilizado por muitos atores sociais que atuam na Maré (agentes de saúde, agente de segurança pública, carteiros, escolas e associações de moradores);
3. Publicação do Censo de Empreendimentos Econômicos da Maré e realização do 1º Seminário de Empreendedores da Maré, em 2014. Essa pesquisa tornou-se um importante instrumento de informação para a população local e para parceiros que desejam executar investimentos na Maré. A publicação inclui um Catálogo de Comércios e Serviços da Maré, com nome, localização e contato dos estabelecimentos, agrupados segundo o ramo de atividade, para consulta dos moradores. Seu conteúdo vem sendo utilizado por agências privadas e públicas que têm como missão fomentar a microeconomia, como, por exemplo, o Sebrae e a AgeRio;
4. Censo Populacional da Maré, publicado em 2019 (Redes da Maré. Censo Populacional da Maré. Rio de Janeiro: Redes da Maré, 2019).
5. Convênio com o Instituo Pereira Passos. A Redes da Maré foi convidada, de 2012 a 2013, para replicar a metodologia, formar agentes de campo e sistematizar informações para levantamento e identificação de logradouros em todas as favelas que receberam UPP’s até 2013. Esta parceria representa o reconhecimento, por parte do poder público, da metodologia do Censo Maré, em especial do Guia de Ruas, como uma ferramenta importante para a revisão dos mapas da cidade e a consequente implementação em escala de políticas sociais nas favelas;
6. Finalista do Deutsche Bank Urban Age Award, 2013, Rio de Janeiro, com obtenção de Menção Honrosa.
7. Replicação da tecnologia mediante projeto da Cátedra Olavo Setúbal de Arte, Ciência e Cultura, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), em três territórios favelados vizinhos à universidade; Jardim São Remo, vizinho à Cidade Universitária, e Keralux e Vila Guaraciaba, vizinhos à Escola de Artes, Ciências e Humanidades, na Zona Leste da cidade.
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