Problema Solucionado
Segundo a pesquisa “Escrita e Oralidade”, de Juan Goytisolo (UNESCO, 2001), dos 3 mil idiomas falados hoje no mundo, apenas 78 possuem literatura, ou seja, centenas de línguas ainda utilizadas só possuem expressão oral. A cultura oral corre risco de extinção e, para Goytisolo, isso já justifica a mobilização para que ela seja preservada.
Na Amazônia, a oralidade ainda é muito forte por uma questão histórica. Os habitantes da região sempre tiveram como base de seu processo de aprendizagem a transmissão de conhecimento de geração em geração através da oralidade. Por outro lado, as habilidades de escrita e leitura são essenciais para a inserção dos moradores das comunidades rurais da Amazônia no contexto de comunicação escrita e tecnológica exigido pela sociedade.
A Vaga Lume desenvolveu uma tecnologia social que valoriza a cultura local e contribui para a preservação do patrimônio imaterial das comunidades amazônicas (histórias tradicionais, lendas, contos folclóricos e histórias de vida). Além disso, é parte de um processo educativo que complementa o processo de desenvolvimento da leitura e da escrita em uma das regiões que possui os piores indicadores educacionais do país.
Descrição
A ideia de promover rodas de história e livros artesanais surgiu do projeto de criação de bibliotecas comunitárias que a Vaga Lume desenvolve na área rural. O grupo percebeu que a chegada dos livros a uma determinada comunidade deve ser um elemento de fortalecimento da cultura local, principalmente das histórias do lugar, mantendo um diálogo com a produção oral. Os livros devem ser entendidos como objetos de intercâmbio, pois faz com que as comunidades conheçam outras histórias e valorizem sua própria vivência.
Iniciaram-se, então, as primeiras Rodas de História em comunidades e, com o envolvimento dos próprios moradores, foi desenvolvida uma metodologia para registrar essas historias artesanalmente. Hoje, as rodas de história e a oficinas de produção de livros artesanais são coordenadas por voluntários formados pela Vaga Lume. Eles são geralmente mediadores de leitura em bibliotecas comunitárias. Tiveram, na formação oferecida pela Vaga Lume, estudos acerca da oralidade.
A produção dos livros artesanais é realizada em oficinas com duração média de dois dias, sendo dividida em três fases.
A primeira é a própria roda de história, quando um morador tradicional da comunidade, escolhido pelo grupo de participantes da oficina, narra suas histórias. O grupo deve escutar atentamente a narrativa, alguns integrantes registraram a história e outros são responsáveis pela interação e cuidado com o contador.
A segunda fase é a produção do boneco do livro artesanal. Os grupos se transformam em “editoras artesanais”, com nome e logotipo próprios. Em conjunto, o grupo retoma o registro da roda de história para definir o livro que será produzido, levando em consideração a relação do texto com as imagens e os tipos de ilustração que ele pretende utilizar. Com o texto pronto, o grupo parte para a produção do esqueleto (“boneco”) do livro, uma prévia do trabalho final, já considerando a paginação, as ilustrações, o formato do livro e o material que será utilizado.
A terceira fase é a produção do livro artesanal. O grupo divide as tarefas de redação, ilustração, escrita e organização de acordo com a habilidade de cada membro, e inicia a criação do livro artesanal, com base na história do contador da comunidade. Os livros devem conter os seguintes elementos: ficha técnica, autor, revisor, editora, comunidade, município, ilustrador, biografia do contador, histórico da comunidade, capa, contracapa, orelha e título.
A “editora artesanal” deve fazer a mediação de leitura do livro pronto, apresentando-o para o contador da história e a comunidade. A apresentação é parte fundamental do trabalho, pois é o momento de prestar uma homenagem ao contador da história e valorizar as tradições culturais da comunidade.
Os livros artesanais produzidos em cada comunidade são levados para a sede da Vaga Lume, em São Paulo, onde são digitalizados e copiados. Cada biblioteca Vaga Lume recebe uma cópia de cada livro artesanal produzido, garantindo o intercâmbio entre histórias e tradições de diversas comunidades.
A multiplicação da metodologia é a melhor ferramenta para potencializar a ação. São realizados congressos de formação, nos quais os voluntários se apropriam da metodologia e passam a ter papel central nessa forma de valorização da cultura de suas comunidades. Os livros artesanais são apresentados, contribuindo para o intercâmbio cultural e o estímulo à replicação das oficinas nas comunidades.
Recursos Necessários
Para implantar a tecnologia, é necessário material de papelaria. Nas oficinas promovidas pela Vaga Lume, o material é composto por:
-Apontadores com depósito;
-Papel de diferentes tipos, cores e gramaturas;
-Borracha;
-Canetas Finepen de diversas cores;
-Cola bastão;
-Lápis de cor aquarelável;
-Estilete estreito;
-Fitas de cetim simples de diversas cores;
-Giz de cera curtom;
-Giz de cera pastel oleoso;
-Guache lavável;
-Jogo de canetas hidrográficas;
-Lápis grafite preto;
-Novelos de lã;
-Perfurador de dois furos;
-Pincéis de diferentes tipos e formatos;
-Réguas;
-Tesouras;
A Vaga Lume incentiva a utilização de materiais locais como fibras artesanais, papéis reciclados, sementes e outros na confecção do livro, em substituição aos materiais de papelaria apresentados nessa lista.
Resultados Alcançados
A primeira oficina em que a tecnologia social foi aplicada aconteceu em 2002. Desde então, a tecnologia gera resultados importantes, como a produção de 265 livros artesanais, a valorização da cultura e dos saberes locais e o incentivo à leitura e à escrita.
A heterogeneidade das comunidades em que a Vaga Lume atua (ribeirinhas, quilombolas, indígenas e comunidades de beira de estrada) é retratada nos livros artesanais pelos diferentes traços das ilustrações, vocabulário e trabalhos manuais utilizados. Além das variações regionais do português, alguns livros são produzidos nas línguas indígenas usadas em algumas comunidades e os livros bilíngues e multilíngues (português e outras línguas) também são enviados às outras bibliotecas.
A Vaga Lume incentiva a criação de livros tanto em português quanto em línguas indígenas como forma de fortalecer as línguas maternas, fomentar a diversidade cultural e o intercâmbio entre as comunidades onde opera.
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