Problema Solucionado
Araçuaí (MG) está localizada no Vale do Jequitinhonha, região do semi-árido que protagoniza estatísticas internacionais de pobreza. Abriga população de 36.083 (IBGE/2007), sendo que quase 50% vivem na zona rural.
Nascentes servem como referência na sociabilidade, delimitação do território e localização; rios fornecem a maior parte da água para consumo humano, lavouras e criações. Nascentes e ribeirões secos obrigam a população a usar a água dos caminhões-pipas das prefeituras. Em outros casos, nascentes perderam muito em volume, obrigando famílias a fazer rodízio para coletar água. Práticas produtivas foram abandonadas e o consumo humano, controlado.
A precariedade do acesso à água torna a população vulnerável, fragilizando a saúde e inviabilizando trabalho e geração de riqueza. A conseqüência é o êxodo de pais de família para o corte de cana, criando um cenário em que a criação dos filhos fica sob responsabilidade de mães solitárias. A atividade econômica é inexpressiva e boa parte das famílias depende de assistência social.
A superação dessa situação depende de mudanças de valores e atitudes.
Descrição
Tudo começou em uma roda de conversa com uma boa pergunta: o que podemos fazer para que as pessoas cuidem dos seus quintais?
Foi daí que surgiu a ideia do Quintal Maravilha. O nome foi inspirado no Sítio Maravilha, o centro de referência em permacultura, estruturado com apoio do projeto Caminho das Águas (2007-2009). Os Quintais Maravilha são "filhotes" do Sítio Maravilha nas comunidades, ou seja, pequenos centros de referência das práticas do projeto aplicadas ao dia a dia das famílias.
O projeto Caminho das Águas veio aprofundar, na dimensão ambiental, o trabalho educativo do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), que há mais de 10 anos atua na região, em parceria com institutos de permacultura de diversos cantos do Brasil. O resultado dessas alianças foi um projeto diferenciado, que atua simultaneamente no nível comunitário e em processos ampliados de reversão do processo de erosão e desertificação.
O projeto implantou 115 kits das águas em unidades familiares, compostos por sistema de captação de águas de chuvas, sistema de saneamento ecológico e práticas produtivas (mini viveiro, mini banco de sementes, hortas, manejo de água no terreno, cobertura do solo, entre outras).
Os educadores do projeto – membros da comunidade – perceberam a importância de estabelecer um sistema de contrapartidas junto às famílias selecionadas para receber os Kits. Assim nasceu a proposta da “Moeda Ambiental”.
Dessa maneira, para receber o Kit das Águas, as famílias têm de “pagar” com as seguintes moedas:
-Lixo Zero: redução e aproveitamento dos resíduos, lixeiras feitas com a fibra da bananeira e taquara;
-Queimada Zero: não queimar lixo nem matéria orgânica;
-Proteção do solo: cobertura vegetal, adubação verde, cobertura de matéria orgânica, cerca viva, leira de galhos;
-Manejo das águas: canais de infiltração em nível, açudes/laguinhos, captação de água das chuvas, irrigação por gotejamento;
-Adubação: pilhas de composto, minhocários, biofertilizantes;
-Saneamento: círculo de bananeiras, banheiro seco;
-Manejo de pragas: uso de inseticidas naturais, plantio de neem;
-Plantio inteligente: hortas em mandala, espirais, consórcios aproveitando melhor o espaço e a água;
-Produção de alimentos: "mini viveiros", "mini casas de sementes" e agroflorestas;
-Kit Café: 10 árvores plantadas. Garantia do autoconsumo e geração de excedente;
-Água e saúde: filtros para cisterna e monitoramento da qualidade da água;
-Estética e valores culturais: pintura com tinta de terra;
-Autonomia e cooperação: produção e troca de receitas naturais de produtos de higiene e limpeza (pasta de brilho, sabão), participação nos mutirões, realização de oficinas e atividades em quintais de outros moradores;
-Cuidados com as crianças: garantir freqüência na escola e vacinação.
Concentrando diversas tecnologias, os Quintais Maravilha apresentam resultados visíveis em poucos meses, transformando-se em espaço referência para a comunidade, demonstrando de forma prática os impactos positivos dos métodos ecológicos. Para implementar as estruturas, são aproveitados resíduos como garrafas PET e de vidro, latas de óleo, saquinhos de leite para mudas e recursos naturais como bambu, madeira e palhas. Todas as atividades são feitas em regime de mutirão, criando processos permanentes de aprendizagem. O eixo metodológico reforça em cada ação e demonstra que é possível criar soluções para um Quintal Maravilha com os recursos do próprio quintal. Incorporar e praticar esse valor é um objetivo essencial. A lógica da Moeda Ambiental amplia e consolida os benefícios, promovendo o desenvolvimento da família.
Recursos Necessários
O principal recurso externo necessário é os materiais para construção da cisterna e dos filtros: cimento ou placas de cimento (a depender da técnica aplicada), telas, canos e tambores.
O banheiro seco é construído em adobe, ou seja, tijolos feitos com terra local. O assento costuma ser feito com cimento. Usam-se telhas para a cobertura.
Para as demais implementações, são necessárias ferramentas simples como pás e rastelos, e tudo pode e deve ser feito com recursos disponíveis na propriedade ou entorno. Usamos garrafas PET para cercar hortas, bambu, madeira, pedras, etc.
A minimização do uso de recursos externos é uma estratégia essencial para favorecer a apropriação e disseminação dos Quintais Maravilha.
Resultados Alcançados
-115 Quintais Maravilha implantados em três comunidades da zona rural de Araçuaí;
-Cerca de 500 crianças beneficiadas;
-Consolidação de referências concretas de técnicas e sistemas agroecológicos: quintais mais verdes, úmidos e diversificados;
-Valorização da cultura local e dos recursos disponíveis nas comunidades;
-Segurança hídrica, com 1.840.000 L de água pluvial armazenados em cisternas com filtros, para consumo humano;
-Cerca de 2.000 mudas produzidas e plantadas mensalmente;
-1.000 pés de café plantados;
-Incremento na segurança alimentar das comunidades atendidas, com diversificação da produção familiar. Algumas famílias relatam que já deixaram de comprar no mercado itens básicos da alimentação como feijão e café; outras passaram a consumir mais hortaliças;
-Estabelecimento de condições básicas para ações futuras de produção ecológica em maior escala e geração de renda;
-Resgate/reprodução de espécies nativas e crioulas;
-Sistematização do conhecimento tradicional sobre espécies nativas e crioulas e outras plantas funcionais;
-Impacto estético com pintura das casas, cisternas e banheiros secos com arte em tinta de terra;
-Mudança de valores e atitudes dos moradores em relação à conservação e recuperação do meio ambiente local (fortalecimento das idéias de Projetos Meu lugar é Aqui e Cuidando dos Tataranetos);
-Aumento da auto-estima dos envolvidos, da capacidade de trabalho em grupo, da alegria e da motivação.
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