Objetivo
A metodologia do Maré de Direitos tem como objetivo contribuir para a efetivação do direito ao acesso à justiça nas 16 favelas da Maré, de modo a proteger as pessoas atendidas e a impactar em médio e longo prazos na estruturação de políticas públicas e indicadores de desenvolvimento humano deste território, além de beneficiar outros territórios periféricos por meio de sua replicação.
Problema Solucionado
Historicamente, as populações de favelas, que correspondem a 22,3% da população da cidade do Rio de Janeiro, não têm acesso de forma ampla e democrática à justiça, seja pela desinformação e pela distância dos órgãos destes espaços e seus moradores, seja por um conjunto de fatores sistêmicos que lhes constrangem a efetivação da cidadania, incluindo situações de discriminação e violência.
Na Maré, os impactos da violência armada provoca uma rotina perversa que viola uma série de direitos dos moradores desde a ameaça à integridade física e ao direito à vida, o direito de ir e vir, além de restringir o acesso aos direitos sociais por meio do fechamento dos postos de saúde e das escolas em dia de confrontos armados.
Este contexto de violência armada, vem sendo utilizado como justificativa para retração de direitos e retirada de equipamentos públicos nas favelas da Maré. O sistema de justiça e segurança pública, por exemplo, atua nestes espaços, apenas, através do viés belicista das operações policiais. A construção de uma sociedade democrática e republicana preconiza uma distribuição equânime dos equipamentos públicos e acesso a direitos na cidade. Desde 2016, o projeto Maré de Direitos já atendeu mais de 2000 moradores da Maré com objetivo de facilitar o acesso a direitos, em especial, a aproximação com o sistema de justiça.
Descrição
A tecnologia social é composta por estratégias combinadas que atuam desde uma esfera individual até ações coletivas e estruturantes, conforme o detalhamento a seguir:
1) Acolhimento e orientação sociojuridica: visa facilitar o acesso dos moradores da Maré a uma gama de direitos fundamentais, como justiça, saúde, educação, habitação e assistência social, entre outros. Através de acolhimento interdisciplinar realizado por assistentes sociais e advogadas pretende-se acolher às demandas, orientar acerca das formas de acesso a direitos e facilitar a efetivação destes direitos junto a órgãos públicos.
2) Acompanhamento às vítimas de violências e violações de direitos: acompanhamento psicossocial e jurídico para pessoas que são afetadas diretamente pelas múltiplas formas de violências e violações de direitos. O acompanhamento busca orientar acerca de direitos, mas também fomentar práticas de cuidado em saúde mental para os usuários. Além disso, busca-se fomentar espaços de trocas e formação política para os beneficiários, construindo estratégias de enfrentamento coletivo às violências.
3) Sistematização de dados e produção de conhecimento: a partir dos atendimentos realizados, busca-se sistematizar dados sobre as dinâmicas de violências no conjunto de favelas da Maré e identificar as principais dificuldades de acesso a direitos, em especial ao sistema de justiça, enfrentados pelos moradores da região.
4) Articulação com órgãos públicos e fortalecimento da rede de proteção social: a partir das demandas individuais apresentadas pelos usuários do projeto, busca-se articulação com equipamentos e serviços públicos que busque não apenas garantir o acesso individual, mas que possibilite repensar práticas e fluxos de trabalho para melhor atendimento do público em geral.
5) Incidência Política: a partir das práticas cotidianas deste projeto, pretende-se incidir em mudanças estruturais na forma como as políticas públicas se relacionam com os moradores do conjunto de favelas da Maré. Um exemplo é a realização do projeto Defensoria em Ação, parceria da Redes da Maré e Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que desde 2019 realiza atendimentos individuais na Maré.
A metodologia prevê a seguinte organização e fluxos de processos:
AÇÃO 1: Acolhimento e orientação sociojuridica
- Atividade 1: 4 plantões semanais e presenciais de acolhimento a usuários
- Atividade 2: 5 plantões semanais e remoto de acolhimento a usuários
- Atividade 3: Visitas domiciliares, de acordo com a demanda.
AÇÃO 2: Acompanhamento de violências e violações de direitos
- Atividade 1: Plantões de acolhimento a usuários em situações de crise aguda de situações de violências.
- Atividade 2: Busca-ativa de casos relatados e encaminhados de situações de violências e violações encaminhados pela rede de proteção social e rede de colaboradores
- Atividade 3: Atendimentos individuais para acompanhamento dos casos
- Atividade 4: Visitas domiciliares
- Atividade 5: Diligências e acompanhamento de formalização de denúncias de junto ao sistema de justiça
- Atividade 6: Práticas de cuidado em saúde mental e fortalecimento de vínculos
- Atividade 7: Rodas de conversas e espaços de formação política
AÇÃO 3: Sistematização de dados e produção de conhecimento
- Atividade 1: Elaboração de banco de dados, coleta e sistematização de dados relacionados a atendimentos realizados;
- Atividade 2: Retorno aos usuários para acompanhamento da resolução das demandas apresentadas durante os atendimentos (Feedback)
- Atividade 3: elaboração de relatórios anuais sobre dinâmicas de violências e limites no acesso a direitos na Maré.
AÇÃO 4: Articulação com órgãos públicos e fortalecimento da rede de proteção social
- Atividade 1: Visitas institucionais junto a órgãos públicos e da rede de proteção local;
- Atividade 2: Reuniões de estudo de casos individuais;
- Atividade 3: Encontros com profissionais e gestores de políticas públicas na Maré para avaliação dos serviços e fluxos de trabalho.
AÇÃO 5: Incidência Política
- Atividade 1: Produção de relatórios periódicos sobre dinâmicas de violências para a Defensoria Pública (DPERJ), para o Ministério Público (GAESP-MPRJ) e para a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
- Atividade 2: Reuniões periódicas e encontros regulares com representantes do poder executivo, legislativo e judiciário
- Atividade 3: Realização de ações em parceria com órgãos do sistema de justiça, como o Defensoria em Ação na Maré.
- Atividade 4: Articulação e mobilização para fomentar a construção do núcleo da defensoria pública no território da Maré.
- Atividade 5: Acompanhamento e monitoramento de processos coletivos de enfrentamento a violência armada, como a Ação Civil Pública da Maré (Tribunal de Justiça do Rio) e Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais 635 (Superior Tribunal Federal).
Recursos Necessários
Para a implementação de uma unidade da tecnologia social, listamos a seguir o conjunto de recursos utilizados em sua execução pela Redes da Maré com periodicidade mensal, tendo em vista a natureza desta tecnologia ser uma metodologia de intervenção de profissionais especializados sobre os problemas relativos às situações de violência. Os materiais necessários à realização do trabalho dos profissionais que constituem a equipe são, portanto, instrumentos essenciais para que a tecnologia seja implementada de forma segura e eficaz:
8 computadores,
4 impressoras,
1 plataforma online de atendimento (infobip),
materiais de divulgação impressos (flyers, cartazes, cartilhas), redes sociais e carro de som,
1 boletim anual,
2 carros à disposição para transporte,
alimentação para equipe de 18 pessoas,
material de consumo e escritório.
Resultados Alcançados
Os dados aqui apresentados, março de 2016 e dezembro de 2020.
Resultados quantitativos:
- 2512 pessoas atendidas presencialmente em acolhimento sociojuridico;
- 552 pessoas atendidas em formato remoto em acolhimento sociojurídico, entre agosto e dezembro/2020, no contexto da pandemia do Coronavirus;
- 50 pessoas vítimas de violências e violações de direitos em acompanhamento pela equipe técnica;
- 336 pessoas atendidas pela “Defensoria em Ação na Maré”, ação em parceria entre a Defensoria Pública e o projeto Maré de Direitos.
- 31 relatórios de acompanhamento e monitoramento de dinâmicas de violências para ACP da Maré e ADPF 635.
- 5 Boletins que apresentam dados gerais sobre dinâmicas de violência armada na Maré;
Resultados qualitativos
A experiência ao longo destes 5 anos, vem apontando como as dinâmicas de acesso a direitos, em especial ao sistema de justiça, não acontece de maneira equânime na cidade. O cotidiano desta experiência, vem apontando para a importância do fortalecimento da rede de proteção social territorial e o papel fundamental de organizações da sociedade civil na aproximação, articulação e fortalecimento dessas redes. Para além disso, a experiência vem ampliando as possibilidades de administração não-violenta de conflitos, inibindo processos autoritários e violentos de resolução de conflitos praticados por atores locais, rompendo uma lógica histórica que “na favela a lei é outra”.
Além disso, a experiência no acompanhamento das vítimas de violências e violações de direitos vem apontando na importância de organizações de base comunitária na aproximação, fortalecimento de vínculos com pessoas em situações de violências e articulação com órgãos públicos, que ainda apresentam limites no acolhimento e acompanhamento destas situações.
A produção de dados e reflexões a partir da experiência em tela, demonstra a importância de valorizar novas formas de produção de conhecimento e disputa de narrativa sobre como ocorre às dinâmicas de violências nas favelas e periferias, que valorize a narrativa das pessoas que são diretamente afetadas por estas violências. Além disso, a importância da incorporação destes sujeitos em ações que busquem incidir em políticas públicas.
Por fim, a tecnologia social em tela já recebeu o Prêmio Desafio de Acesso à Justiça, organizado pelo Instituto Matos Filho em 2019, e ganhou o 17o Prêmio Innovare (2020), na categoria Destaque.
Público atendido
Adolescentes
Adulto
Afrodescendentes
Crianças
Famílias de baixa renda
Jovens
Lideranças comunitarias
Idosos
Mulheres
População em geral
Tecnologias Sociais Semelhantes
Adolescentes Protagonistas
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