Objetivo
Estimular a fixação territorial com ações em favor da geração de renda local, condições de bem viver e dignidade quilombola. O envolvimento comunitário, articulado à sabedoria tradicional do mais velhos na agricultura familiar com a capacitação profissional dos mais jovens, com ampliação da produção e mecanismos de escoamento, visam garantir autonomia e permanência das famílias no território.
Problema Solucionado
Há algumas décadas nosso território quilombola enfrenta o êxodo da juventude para a cidade, com submissão a subempregos e baixa qualidade de vida, e mais recentemente, sofre constantes ameaças de empreendimentos minerários em uma região considerada berço das águas de minas gerais e importante área de preservação do bioma cerrado. A baixa circulação de recurso financeiro no quilombo sempre foi a grande responsável pelo esvaziamento do território e, quanto mais vazia nossa terra, maior o risco de nossos saberes, fazeres e memórias culturais se perderem. Quando olhamos para esse cenário, vimos que nosso desafio era gerar renda local de uma maneira que fortalecesse nossa tradição e fosse respeitosa com os costumes dos nossos antigos, assim poderíamos voltar a fixar as pessoas quilombolas na zona rural e garantir a sobrevivência e a valorização de nossos conhecimentos ancestrais, para multiplica-los às novas gerações. É preciso ainda dizer que a agricultura familiar quilombola move mais do que a terra em si, pois também acende nossa memória cultural, revivendo danças, cantos, causos, afetos, cura com as plantas e receitas culinárias tradicionais.
Descrição
O Coletivo de Agroecologia desenvolve um negócio de economia solidária e circular, com enorme preocupação e atenção em não esgotar as matérias primas, não gerar lixo e não estimular o superconsumo. Para tanto, tem como valores o comércio justo e democrático, a utilização de embalagens biodegradáveis, a devolução dos resíduos por meio de compostagem e respeito à sazonalidade nos ciclos de produção.
Os quintais produtivos são trabalhados diariamente pelas mulheres agricultoras, com preparo da terra para semeadura, plantio, cuidado e colheita dos cultivos orgânicos, de acordo com o tempo lunar e as estações do ano, como reza a sabedoria ancestral. A cada dois meses, em média, acontecem capacitações profissionais no centro comunitário para as famílias, com o intuito de melhorar as produções e aprimorar os conhecimentos acerca dos beneficiamentos e das quitandas, para garantir a qualidade dos produtos vendidos e ampliar a diversidade de ofertas. Ao passo que, mensalmente, todo terceiro sábado do mês, acontece a feira agroecológica e gastronômica quilombola no território do Ausente, ocupando espaço no centro comunitário e cultural, construído pelas próprias mulheres da comunidade, com apoio de projetos e entidades parceiras. Nesse momento, os clientes têm a oportunidade de encontrar pessoalmente com as famílias agricultoras, trocar experiências e conversas, conhecer e se aproximar mais da comunidade. Ainda, a feira tem proporcionado maior união e interação entre as próprias famílias quilombolas, pois engloba feirantes para além do Coletivo, com a participação de várias pessoas da comunidade, estimulando arte, cultura, lazer e gastronomia.
As atividades do Coletivo se baseiam em uma metodologia autônoma, criada de acordo com as demandas identificadas pelas famílias envolvidas. A cada quinzena, acontecem os ciclos de entregas de cestas agroecológicas na região, que funciona da seguinte forma: 1) as agricultoras fazem suas listas de produtos e enviam no grupo interno de WhatsApp; 2) a coordenação e articulação organizam as listas em formatos de catálogo virtual, contando com um site na plataforma Kyte (www.coletivo-quilombo-ausente-feliz.catalog.kyte.site) e um arquivo PDF para amplo compartilhamento; 3) a divulgação faz a postagem das ofertas no perfil do Instagram e nos grupos comunitários regionais, para que cada cliente possa escolher suas compras diretamente no site ou no grupo oficial de vendas; 4) após o fechamento dos pedidos, a coordenação e articulação organizam as listas e fazem a divisão para as agricultoras, de acordo com o que foi ofertado por cada uma e solicitado pelos clientes; 5) no dia combinado, as agricultoras se reúnem no centro comunitário, levando seus produtos conforme encomendas, para organização das cestas agroecológicas com pesagem dos alimentos, colocação de embalagens, etiquetas e devido armazenamento em caixas de papelão; 6) logo após, é feita a distribuição com a entrega das cestas diretamente nas casas das famílias clientes, que são moradoras das comunidades vizinhas; 7) por último, os pagamentos são feitos via Pix ou transferência bancária (de acordo com os valores constantes nos recibos gerados no próprio site a partir da compra), para a conta da coordenação, quem faz a divisão dos recursos financeiros para as agricultoras, bem como uma porcentagem para o fundo de reserva.
De forma geral, o Coletivo anda de mãos dadas com a Associação Quilombola (que envolve ainda mais famílias da comunidade), promovendo meios para o desenvolvimento sustentável do Ausente com projetos para atender suas carências e necessidades, incentivando iniciativas culturais, sociais, ambientais, agrícolas, educacionais, econômicas. Com reuniões mensais, possui a missão de contribuir para a atuação local em prol do desenvolvimento socioeconômico da região, estimulando os moradores para o engajamento nas políticas públicas que possam melhorar sua qualidade de vida, realizando manifestações artísticas por meio de feiras, cursos, encontros e palestras. Isto é, em comunhão, o Coletivo e a Associação pretendem aprimorar ações comunitárias como instrumentos de consciência e organização participativa, para economia solidária, soberania alimentar e defesa do meio ambiente, com fortalecimento da agricultura orgânica familiar quilombola na construção de autonomia e cidadania.
Recursos Necessários
Para implantação desta tecnologia social, são necessários recursos materiais como balança de pesagem, caixas de armazenamento específicas para alimentos, embalagens sustentáveis onde os produtos possam ter melhor conservação e visualização, etiquetas para anotação dos ingredientes utilizados nos beneficiamentos e quitandas com respectivas datas de fabricação e validade, vidros escuros para manter as sementes crioulas em local fresco e arejado. Além disso, precisa-se de uma estrutura de plantio e colheita nos quintais produtivos da agricultura familiar, com espaços e ferramentas propícias para manutenção da horta, de onde saem os cultivos e os produtos que são ofertados, assim como o sustento das próprias famílias. Outra implementação necessária para as feiras agroecológicas que acontecem uma vez por mês dentro da própria comunidade, são barracas para exposição dos produtos orgânicos e cozinha montada (com fogão a lenha e utensílios básicos) para elaboração dos pratos típicos da culinária quilombola que são vendidos no almoço, fortalecendo ainda mais a geração de renda de cada família envolvida. Portanto, é importante realizar capacitações periódicas para que as agricultoras possam adquirir cada vez mais conhecimento e experiências voltadas para a prática da agroecologia, visando melhores resultados tanto na qualidade de suas produções, quanto na quantidade de vendas também.
Resultados Alcançados
Vimos o crescimento gradual do Coletivo, que em 2019 se formou com a participação de 07 famílias e atualmente beneficia diretamente 20 famílias quilombolas, que experimentam um aumento substancial em suas rendas mensais e, indiretamente, beneficia toda a comunidade quilombola, onde habitam cerca de 80 famílias. A visibilidade do território ampliou consideravelmente por meio dos trabalhos desenvolvidos pelo Coletivo, tanto nas redes sociais quanto no boca a boca, já que hoje em dia o Ausente ficou conhecido na região do Vale do Alto Jequitinhonha e até em outros estados, como SP e RJ.
Além disso, as atividades do Coletivo fortalecem a Associação Quilombola (já existente, porém com pouca atuação até então), que se tornou grande parceira e proponente cultural em diversos editais de apoio ao 3º setor.
Outros resultados significativos que podemos citar são: a publicação de um livro cartonero em 2021 com 7 receitas culinárias tradicionais quilombolas (já na 4º edição com mais de 150 exemplares vendidos); a realização mensal da Feira Agroecológica no próprio território desde agosto de 2021 no Centro Comunitário e Cultural, atraindo visitantes locais e também turistas de todo país; a criação de um site na plataforma Kyte para vendas dos produtos agroecológicos; a realização de um filme de curta-metragem com o tema da cozinha mineira (em execução) e demais parcerias com outras organizações sociais da região.
Ainda, um dos principais impactos alcançados ao longo dos anos foi a volta do olhar da comunidade para si mesma, com o resgate cultural e das memórias afetivas do território e o orgulho da identidade quilombola. Contudo, possui grande relevância para a comunidade, visando a melhoria e a profissionalização de uma estrutura de transformação social, com vendas periódicas de produtos orgânicos, cultivados com respeito e harmonia aos ritmos da natureza. Para a comunidade e região, o Coletivo é uma forma de trazer mais força, confiança e motivação para as mulheres quilombolas, que até pouco tempo atrás não sabiam de sua grande importância e potencial, que são verdadeiras guardiãs da sabedoria ancestral, da cultura negra e do conhecimento da terra. Assim, se capacitam e se tornam cada vez mais protagonistas de suas próprias histórias.
Em 2023, o Coletivo conquistou dois importantes prêmios: um na categoria “empreendedorismo negro” pelo edital Entra na Roda da cantora Iza, outro na categoria “coletivo pretagonista” pelo Festival Gastronomia Preta no Rio de Janeiro.
Público atendido
Quilombolas
Agricultores Familiares
Famílias de Baixa Renda
Povos Tradicionais
Mulheres
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