Objetivo
Valorizar a tecnologia de construção de casas utilizando a terra como material de construção protagonista por meio da construção de casas de farinha nos territórios não urbanizados do arquipélago de Ilhabela.
Problema Solucionado
As populações tradicionais têm sofrido impactos diretos das mudanças no modelo de produção e consumo em todo o Brasil.
O avanço da especulação imobiliária a partir da década de 1960, impulsionado pelo turismo e a implantação das unidades de conservação na mesma década, colocaram à marginalidade as atividades agrícolas das comunidades caiçaras no Litoral de São Paulo, fazendo com que essas populações se voltassem à pesca artesanal.
A farinha de mandioca que foi a base da alimentação caiçara e importante fonte de renda durante muitas gerações, teve junto com as roças tradicionais e as casas de farinha um abrupto declínio.
A alimentação com produtos locais e a construção em barro passaram a ser vistas como técnicas ultrapassadas, pouco eficientes e estigmatizadas como indicadores de pobreza.
No entanto, a Casa de Farinha persiste como um símbolo de luta e resistência das comunidades caiçaras e a falta de incentivo e políticas públicas continuam por criminalizar as atividades tradicionais.
A valorização das roças tradicionais e todos os elementos correlatos, como a Casa de Farinha, possuem potencial de estímulo para o fortalecimento da soberania alimentar nas comunidades tradicionais caiçaras e para a ocupação do território tradicional, fazendo frente à expansão da especulação imobiliária.
Descrição
A farinha de mandioca é o alimento básico da dieta em comunidades rurais em todo o Brasil.. Tradicionalmente, a farinha era fabricada por cada família, utilizando técnicas adaptadas para cada localidade, em suas casas de farinha. A confecção da farinha é uma técnica complexa, desenvolvida por milhares de anos e herdada dos povos indígenas - por diversas populações tradicionais no Brasil.
No litoral de São Paulo, a produção de farinha foi parte central na alimentação, na economia e na cultura de comunidades caiçaras. Muitas delas isoladas até hoje, têm a cultura da produção de mandioca e feitio da farinha. Porém, ao longo das gerações, essas comunidades têm perdido o costume de fabricar a farinha localmente, que impacta na qualidade da alimentação, na relação com a terra e na manutenção da cultura.
As casas de farinha são, portanto, a estrutura física central para que a produção de farinha ocorra. Durante as horas de preparo, é onde ocorrem os encontros, as conversas e a troca de conhecimentos na comunidade. Trata-se de um espaço importante para o destaque das questões de gênero, já que são o espaço dominado pelo conhecimento das mulheres, onde elas se fazem mais presentes na produção agrícola. É um espaço fundamental para as trocas entre gerações.
Para a valorização da agricultura tradicional, a casa de farinha é um elemento fundamental a ser valorizado, recuperando os modelos de confecção tradicionais e empoderar as comunidades na valorização da sua cultura.
Na observação e avaliação dos sistemas tradicionais de construção destaca-se o potencial de baixo impacto e de agregação das comunidades no regime de mutirão.A utilização da terra como material principal na construção proporciona enorme vantagem nas áreas das comunidades tradicionais. A terra que deve ser local é retirada e manejada no próprio terreiro de implantação da casa de farinha. O fato de ser utilizada sem a adição de materiais químicos e industrializados, salienta o seu potencial ecológico, podendo ser manipulada de modo artesanal, por vezes lúdica. . Outros aspectos de importância do processo são a ausência de transporte e o retorno da terra ao meio ambiente com mínimo impacto.
A construção artesanal proporciona a organização dos mutirões, que são momentos de encontro e reflexão da comunidade, onde os comunitários de gêneros e idades diversas trocam experiências e valorizam o saber tradicional.
A tecnologia visa, portanto, aliar algumas práticas contemporâneas de construção de modo a prolongar a vida útil da edificação. Na estrutura de madeira, porém, são utilizados troncos de eucalipto tratado, que aumentam a durabilidade e evitam que sejam retiradas madeiras das unidades de conservação da Mata Atlântica, onde estão geralmente situadas as comunidades tradicionais em telas.
Busca-se ainda uma tomada de decisão conjunta com os comunitários para a disposição dos equipamentos do feitio de farinha, nos fluxos de produção no interior e ao redor da casa de farinha, assim como, para os detalhes construtivos do forno e circulação do ar.
Tanto o processo de construção como o de uso possuem caráter colaborativo e educativo na valorização e fomento da produção de farinha de mandioca e, por consequência, da valorização da cultura e resistência caiçara nos territórios tradicionais da Mata Atlântica.
Soma-se à isto as recentes políticas públicas para regulamentação das áreas de roças no Estado de São Paulo (Resolução SMA 28/2020) e o esforço local para demarcação de áreas nas comunidades tradicionais. As casas de farinha possuem papel central para esse processo.
Recursos Necessários
Técnicos para acompanhamento da construção e mobilização da comunidade - 1 arquiteto, 1 técnico em gestão ambiental
Mão de obra especializada para construção da casa de farinha - 1 carpinteiro e 1 ajudante de carpintaria (montagem da estrutura, portas, janelas e cobertura)
Mão de obra local para construção - 1 mestre taipeiro e 3 ajudantes jovens da comunidade (montagem da trama de madeira e preparação do barro)
Materiais para construção da casa de farinha - Madeiras para estrutura, madeiras para esquadrias, ferragens e telhas
Equipamentos para a operação da casa de farinha - tacho de cobre, Roda de moer e prensa
Transporte de materiais - Transporte dos materiais até a comunidade
Resultados Alcançados
As comunidades que tiveram as casas de farinha implantadas, relatam em seus depoimentos que, a existência das casas de farinha nas comunidades são um forte elemento de resgate cultural e de valorização de práticas ancestrais.
Um aspecto que se destacou foi o fortalecimento do tecido social gerado localmente, desde a construção até o seu uso. A prática de trabalho coletivo, em forma de mutirão, tem sido abandonada nas comunidades e, por isso, a construção foi um elemento aglutinador dos moradores. Ao trabalharem juntos, os comunitários trocam conhecimento, resgatam histórias e se conectam com o espaço que ocupam.
Uma vez construída, a casa de farinha tem a importância de servir como um símbolo na valorização da cultura tradicional, objeto de orgulho e auto estima entre os moradores. O processo de erosão da auto estima dos moradores vem acompanhado da perda da identidade tradicional.
Já a casa em funcionamento é ainda um ponto de encontro entre os moradores. Na atividade de feitio da farinha, é possível notar como as comunidades se aproximam, com destaque para a grande presença de mulheres e jovens.
É possível também perceber a reinserção da farinha de mandioca como alimento comum na dieta dos moradores locais. Em tempos de vulnerabilidade alimentar, agravada pela pandemia, o consumo de alimento local foi uma necessidade em muitas comunidades.
A existência das casas de farinha estimulou o resgate da produção agrícola, focada na mandioca, mas diversificada com outros elementos, que refletiu na melhora da alimentação dos moradores.
A qualidade das casas de farinha é um importante resultado da tecnologia por ter a terra como elemento construtivo principal. Ao utilizar elementos locais aliados a soluções modernas, as estruturas são duráveis, sustentáveis e altamente replicáveis a outros contextos.
Por outro lado, verificou-se que há uma defasagem de equipamentos como a moenda, prensa e tacho para a produção de farinha nas estruturas construídas no âmbito do projeto Comer e Morar. A decadência da produção de farinha e o colapso das casas de farinha existentes no território resultaram na perda ou venda destes equipamentos.
Finalmente, as casas de farinha estimularam o surgimento de uma rede de interesse na região, formada por produtores, técnicos e moradores que passaram a trocar mudas, sementes, produtos e ideias em relação à produção agrícola. Também tem surgido novas áreas de roças tradicionais e ampliado a discussão sobre produção, processamento e comercialização, para diversificação das fontes de renda das comunidades.
Público atendido
Agricultores Familiares
Adulto
Adolescentes
Pescadores
Povos Tradicionais
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