A minha
avó tem medo de chuva, a minha mãe de raio e eu sempre achei graça disso tudo.
Como também achava engraçado as piadas sobre o calor extremo do Rio, o
"maçarico tá ligado", a gente ouve em tom de piada até de autoridades
e colegas jornalistas. Também via graça nos vídeos que viralizam dos
"surfistas" das enchentes.
Estamos acostumados a rir, cobrir
os sapatos com sacos plásticos e encarar mais um dia de chuva. Chuva não,
enchente. Mas, no estado responsável por dois terços das mortes por desastres
ambientais do país, segundo dados compilados pelo Mapa da Desigualdade, da Casa
Fluminense, já passou da hora de reconhecer que clima é coisa séria.
O medo dos nossos -que não é da
chuva, e sim do que fizemos a chuva se tornar- esconde conceitos climáticos
importantes. Entre eles, a ansiedade climática, que paralisa e atormenta
emocionalmente vítimas de desastres ambientais. Há também a pobreza energética,
que torna comum a perda de eletrodomésticos a cada chuva. E, o mais violento, o
racismo ambiental, uma sobreposição de impactos que atingem uma população já
violentada.
Quem trabalha no combate à
desigualdade, na linha de frente de ações sociais, trocando com lideranças e
moradores das favelas e periferias, já entendeu que o debate sobre as mudanças
climáticas é papo nosso. São esses os territórios que mais sofrem com o impacto
desse problema, apesar de essas serem as populações que menos contribuem para
as causas da crise do clima.
Em Queimados, cidade mais preta da
região metropolitana do Rio, conheci pessoas que estão deixando de comprar
móveis porque não aguentam mais perder tudo a cada chuva. Isso explica mais
sobre o que é racismo ambiental e ansiedade climática na prática, na ponta, na
periferia, do que qualquer teoria.
A crise do clima é mais um
desdobramento do desequilíbrio socioeconômico que estamos vivendo, e ela chega
primeiro naqueles que já tem historicamente negados os seus direitos sociais
básicos como habitação, mobilidade urbana, segurança pública, educação e saúde.
Sem a justiça climática, não vamos alcançar nossas outras pautas prioritárias
como a justiça econômica, racial e de gênero.
E, apesar de estarmos chegando a
cada vez mais espaços de decisão sobre o tema -uma delegação brasileira preta e
periférica foi à COP27, conferência do clima da ONU sediada em novembro de 2022
no Egito-, muitas das respostas e caminhos que procuramos estão nos saberes de
quem está ali do nosso lado. Nos ensinamentos dos mais velhos e de coletivos de
jovens da periferia que estão garantindo a existência de populações, da Baixada
Fluminense à região leste da metrópole, enquanto organizam outras possibilidades
de futuro para os seus territórios.
Gambiarra não, tecnologia ancestral
e social
Cobrir o espelho, desligar a
geladeira, mandar mensagem no WhatsApp e só tomar banho quando a chuva passar
são algumas das práticas adotadas por nossas mães, avós e tias. Ter uma rotina
para sobreviver à chuva é uma tecnologia ancestral que crescemos observando e
que, diretamente ou não, nos incentiva a criar outras.
Isso ficou nítido para mim depois
de eu rodar mais de 400 quilômetros pela metrópole do Rio na produção do Guia
para Justiça Climática, da Casa Fluminense -organização que há 10 anos debate
políticas públicas para a redução das desigualdades no Rio.
O objetivo da nossa pesquisa, que
visitou 16 territórios da metrópole, é sistematizar esses saberes e práticas
que moradores de favelas e periferias já desenvolvem, ou passaram a desenvolver
recentemente, para lidar com a crise climática.
Nessas trocas, conhecemos
lideranças como Luiz "Sanduba" Cassiano, da favela Parque do Arará,
em Benfica, zona norte do Rio. Cassiano é um homem negro que sofria com o calor
extremo comum nas favelas. Para mitigar os efeitos do calor, ele criou na laje
da sua casa um teto verde feito de colchão e plantas medicinais.
Sanduba viu que deu certo e, por
conta própria, recriou a invenção em pontos de ônibus da comunidade. Assim
surgiu o projeto Teto Verde. Essa tecnologia pode e deve ser replicada. No Guia
para Justiça Climática, é possível aprender mais sobre essas e outras práticas.
A
publicação apresenta 15 tecnologias sociais ancestrais que vão desde a criação de uma Escola
Popular de Agroecologia para mães e crianças do Complexo da Penha, que possui
em um dos últimos pontos de respiro da mata atlântica, à elaboração do primeiro
Fórum Climático da Baixada Fluminense. Há também a prática de doulagem coletiva
no antigo lixão de Itaoca, em São Gonçalo, para mães e ex-catadoras que têm sua
gestação atravessada pelo racismo ambiental.
As inspirações são muitas, e estão
presentes em todas as periferias do Rio, de lideranças quilombolas a jovens
ativistas que usam a tecnologia no combate a crise climática. Nossa
sobrevivência depende desses saberes. As tecnologias já foram testadas. O próximo
passo é viabilizar sua replicação e torná-las cada vez mais conhecidas para que
inspirem políticas públicas mais eficazes, com selo periferia de criação e
qualidade.
Acesse a Rede de
Tecnologias Sociais – Transforma! - é a maior e mais abrangente base de
dados de tecnologias sociais do Brasil. É uma ferramenta colaborativa e fácil
de usar que tem como objetivo ampliar o alcance das tecnologias sociais e
promover um ambiente de reaplicação e compartilhamento de conhecimentos para
toda a sociedade.
As páginas das tecnologias sociais são mantidas pelas
instituições idealizadoras e contêm informações sobre o problema solucionado, a
solução adotada, a forma de envolvimento da comunidade, os municípios
atendidos, os recursos necessários para implementação de uma Tecnologia Social,
entre outros detalhamentos.
Para fazer parte dessa Rede inscreva sua iniciativa no Prêmio
Fundação BB de Tecnologia Social, ele é realizado a cada dois anos, tem por objetivo identificar, certificar, premiar e difundir tecnologias
sociais já aplicadas, implementadas em âmbito local, regional ou nacional, que
sejam efetivas na solução de questões relativas a alimentação, educação,
energia, habitação, meio ambiente, recursos hídricos, renda e saúde.
A participação no Prêmio Fundação Banco do Brasil de
Tecnologia Social é aberta às instituições legalmente constituídas, de direito
público ou privado, sem finalidades lucrativas.
As inscrições passam por um processo de triagem que
inclui as fases de certificação, seleção das finalistas, julgamento das
vencedoras e premiação, observados os critérios e parâmetros estabelecidos no
Regulamento do Prêmio.
Inscrições e regulamento
As inscrições para a 12ª edição do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social começaram em 01 de setembro e se estendem até o dia 10 de novembro de 2023, e devem ser realizadas exclusivamente pelo site https://www.bb.com.br/site/tecnologiasocial/, onde está publicado o regulamento e manual para inscrição. Os resultados de cada etapa (certificadas e finalistas) do Prêmio serão divulgados em todos os canais oficiais do Banco do Brasil e da Fundação BB.
Dúvidas
E-mail: tecnologiasocial@fbb.org.br
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